Começa julgamento do caso Thomas Sankara no Burkina Faso
8 de outubro de 2021O beninense Justin Sogbedji olha com admiração para a estátua de cinco metros de Thomas Sankara. A imagem foi erguida em 2020 no centro de Ouagadougou, capital do Burkina Faso, entre o campus universitário e o distrito governamental. A peça atrai milhares de visitantes todos os meses. Sogbedji olha para o monumento com fascínio e ressalta que tem até uma foto tirada em frente à estátua do líder pan-africanista.
"Thomas Sankara era um lutador. Desde criança, eu admiro o que ele fez", diz Sogbedji, que se mudou do vizinho Benin para o Burkina Faso há três anos e agora tem tempo para visitar o memorial com calma. "Ele lutou pelo Burkina Faso. Isso é ótimo".
Sankara chegou ao poder após um golpe de Estado a 4 de agosto de 1983. Por estes dias, o revolucionário marxista é tema constante de debates em Ouagadougou devido ao julgamento histórico marcado para esta segunda-feira (11.10), que vai tentar esclarecer a morte de Sankara e outros 12 militares a 15 de outubro de 1987.
As audições são aguardadas com ansiedade pelo jornalista reformado Jean-Hubert Bazié, porta-voz do Memorial Thomas Sankara: "Esperamos que a verdade venha à tona".
Local da execução
A verdade está diretamente ligada à localização da estátua, que, no futuro, será o ponto central de um parque de quase 10 mil metros quadrados. Há dois prédios no local, um dos quais foi a sede do Conselho Revolucionário Nacional (CNR), que ascendeu ao poder com Sankara.
"Olhe para o [prédio] da esquerda. Foi aqui que Thomas Sankara foi executado, juntamente com os seus doze camaradas", explica Bazié. Um grande retrato e flores de plástico lembram o episódio. Naquela quinta-feira, o líder revolucionário de 38 anos encontrou-se com membros do seu gabinete para discutir, entre outras coisas, a fundação de um partido político. De repente, ouviram-se tiros. O grupo foi alvejado quando tentava sair do recinto. Apenas um homem sobreviveu: Alouna Traoré.
O principal suspeito do crime é Blaise Compaoré, antigo capitão do exército, companheiro e sucessor de Sankara na presidência. Com 70 anos de idade hoje, Campaoré foi deposto a 31 de outubro de 2014. O político exilou-se na Costa do Marfim, onde obteve a cidadania em 2016.
Ninguém espera ver Campaoré no banco dos réus esta segunda-feira. Segundo os seus advogados, o antigo Presidente do Burkina Faso não foi convocado para a audição. O político também goza de imunidade como antigo chefe de Estado. De acordo com Bazié, Campaoré há décadas que se recusa a esclarecer o que se passou. "O pai de Sankara costumava dizer que estava à espera de uma visita de Blaise Compaoré para descobrir o que aconteceu na altura. O homem já não está vivo e Compaoré nunca fez a tal visita".
Corpo "crivado de balas"
O julgamento é também ansiosamente aguardado no distrito de Wayalghin, onde o movimento de direitos civis Balai Citoyen (Vassoura dos Cidadãos, em português) está sediado. "Claro que seria ótimo se ele estivesse aqui para responder à justiça", diz Eric Ismael Kinda, porta-voz do movimento, sobre a ausência da Compaoré. "Fugiu e não tem confiança nesse sistema jurídico pelo qual é largamente responsável".
A sociedade civil desempenhou um papel importante na viabilização do julgamento, acredita o cientista político canadiano Aziz Salmone Fall, que coordena uma campanha internacional por justiça para Thomas Sankara. "A geração mais nova, que nem sequer conhecia Sankara, derrubou o regime Compaoré". Semanas de protestos acabaram por forçar a destituição do antigo Presidente.
Sob o Governo de transição de Michel Kafando, o corpo de Sankara foi exumado. A reapreciação do caso também começou com medidas desse Governo. Entre as provas levantadas, um médico militar constatou que o corpo estava "crivado de balas". Antes afirmava-seque Sankara morrera de "causas naturais".
O papel da França
Fall não quer assistir ao julgamento, mas protesta contra a ausência da Compaoré. Na sua opinião, o papel da França, a antiga potência colonial, deve também ser clarificado. Só em 2017 que o Presidente Emmanuel Macron anunciou em Ouagadougougou a divulgação de todos os documentos franceses relacionados ao assassinato de Sankara.
"Eu não acredito numa conspiração local, foi um movimento internacional. O episódio pôs fim à última revolução no continente africano", suspeita Fall. Sankara defendia a produção local e é venerado até hoje pela sua humildade. O revolucionário era considerado um obstáculo para muitos interesses.
Sankara é um herói para a geração mais nova do país. "Ele lutou contra o que está a corroer a sociedade, incluindo corrupção, injustiça, desemprego, analfabetismo e pobreza. Sabemos que são os jovens que são particularmente afetados pela pobreza", diz Kinda.
Mas há provavelmente outra razão. Nos últimos anos, algum outro político desempenhou um papel tão relevante para merecer ser visto como um herói no Burkina Faso? No memorial Thomas Sankara, Justin Sogbedji pensa e faz uma longa pausa antes de responder: "Não, ainda não vi ninguém como ele".