Debate sobre racismo em Portugal
6 de março de 2015O moçambicano Mikas vive há vários anos em Lisboa, com a mulher alemã. Têm dois filhos mestiços, cabelos encaracolados, nascidos em Portugal, que já frequentam a escola. Ao contrário do que acontece com a sua mulher, o empresário já foi vítima de atitudes racistas. E conta que, para os filhos, o fenómeno começa a traduzir-se numa inquietação ante o comportamento dos colegas na escola: “Já sentimos isso em casa. Quer dizer, se calhar sinto mais eu. Por que do lado da minha mulher, na cabeça dela, o racismo não faz sentido, porque ela não foi educada dessa forma. Mas eu tenho a noção e sente-se isso. Os miúdos já começam a ter alguma noção disso. E então já começamos a tratar do assunto”.
Mikas foi um dos oradores num debate na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, sobre a presença de África em Portugal e os comportamentos de discriminação racial na sociedade portuguesa. Na iniciativa, no âmbito de um mestrado sobre migrações, deram o seu testemunho a jornalista Carla Fernandes, da rádio online e blogue AfroLis.
Comportamentos racistas das autoridades
Estiveram igualmente presentes jovens como o ativista Jakilson Pereira, que protestaram contra recentes comportamentos alegadamente racistas da polícia portuguesa, em incidentes no bairro da Cova da Moura, no concelho da Amadora. O assunto está sob investigação judicial.
A jurista guineense, Romualda Fernandes, membro do painel de debates, considera ser evidente que a sociedade ainda discrimina pessoas de raça negra, mesmo que tenham a nacionalidade portuguesa: “A sociedade portuguesa, enfrentando determinadas situações relacionadas com africanos em Portugal, alguns sectores, que são os mais visíveis e importantes, como é o caso das forças de segurança, ainda apresentam falta de preparação para enfrentar a situação. Porque o racismo de que falamos aqui, acabamos por ver que é entre o branco e o negro”.
Maus tratos e espancamentos
A assessora da Assembleia Municipal de Lisboa, que já trabalhou no Alto Comissariado para a Imigração, espera que os autores dos atos de agressão e discriminação contra jovens da comunidade africana da Cova da Moura venham a ser punidos.O mais recente episódio ocorreu no início de fevereiro, na esquadra da Polícia de Segurança Pública de Alfragide. Cinco habitantes da Cova da Moura foram detidos quando, segundo dizem, tentavam obter informações sobre um jovem, habitante no mesmo bairro, que tinha sido preso nessa tarde. De acordo com a versão da polícia, o jovem terá atirado uma pedra contra uma viatura da polícia. Segundo relatos de jovens, os moradores, alguns deles ativistas defensores da tolerância e da não-violência, foram espancados naquela esquadra, sendo depois assistidos no hospital local.
Punição
É um problema de justiça, diz a jurista: “Eu acredito que bem assessorados, com um bom advogado, sobretudo se a questão chegar de forma devida às instâncias judiciais”, os culpados certamente serão punidos, diz Romualda Fernandes.
Mas, não basta a legislação punir crimes raciais, acrescenta. São necessárias políticas para reduzir a pobreza e as desigualdades sociais. Para Romualda e Mikas, há que investir mais na informação e na educação para combater a ignorância, um dos instrumentos para a mudança de mentalidade.