Malária: O que retirar da experiência cabo-verdiana?
25 de janeiro de 2024A malária é a doença que mais mata em Angola, com maior incidência nas zonas rurais, representando 42 por cento das mortes, de acordo com fontes oficiais. Para responder ao desafio de combate da endemia, o Governo angolano lançou em novembro passado a campanha "Zero Malária Começa Comigo".
O país pode recolher a experiência de sucesso de Cabo Verde, onde a doença já foi erradicada. Matadi Daniel, médico nefrologista angolano, considera que "o exemplo cabo-verdiano deve servir de ímpeto para a erradicação da malária" em Angola, apostando na formação e na pulverização das casas de modo a se evitar a propagação da doença, conforme é prática universal expressa no Plano Estratégico de Combate à Malária.
Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) certificou Cabo Verde como um país livre da malária. O arquipélago é o terceiro país africano a alcançar o estatuto de erradicação da malária, depois da Ilha Maurícia e da Argélia.
"Por mérito político e científico"
Matadi Daniel, especialista em doenças renais pela Universidade de Santo António do Porto (Portugal), enaltece o êxito alcançado por aquele país lusófono de África que alcançou tal meta "por mérito político e científico". E lembra que nesta fase de pré-erradicação de cinco anos, Angola pode conseguir outros resultados se seguir "a estratégia cabo-verdiana de luta antiviral com pulverização, tratamento de casos autóctones, diagnóstico nas comunidades”, considerando práticas "ao nível dos cuidados primários de saúde."
Nesta fase, Angola disponibilizou 107 milhões de dólares anuais para a erradicação da malária em cinco anos, mas, segundo Matadi Daniel, "há um défice de 64 milhões de dólares". Para o especialista, Angola deve fazer, igualmente, um esforço maior no plano financeiro para colmatar este défice orçamental, invertendo a lógica das prioridades.
"Portanto, as prioridades devem ser redefinidas. Foi isso que Cabo Verde fez", recomenda o médico angolano. "O grande problema aqui [depende da] vontade dos decisores políticos", lamenta em declarações à DW África.
Fatores económicos
O bispo Dinis Sengulane, presidente do Programa Inter-religioso contra a Malária de Moçambique, também considera Cabo Verde um exemplo no plano científico, apesar de não ser um país "extremamente rico". O combate à doença depende, por outro lado, de fatores económicos, na opinião do bispo moçambicano.
"Se nós nos deixarmos dominar pela malária a nossa produtividade baixa e muita gente morre", alerta o bispo para o risco de o país regredir na luta contra a endemia. Por outro lado, diz que é imprescindível o apoio da comunidade internacional – não só da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, mas também de grandes empresas de negócios, que devem disponibilizar os recursos necessários para Moçambique vencer a malária.
Sem apontar metas, Dinis Sengulane manifesta otimismo e acredita que o país vai atingir o nível zero, considerando que os números de infetados pela doença estão a baixar nos últimos anos. "Eu sou homem de esperança, por isso estou convencido que as coisas podem melhorar ainda mais rapidamente", afirma o ex-presidente do Movimento "Fazer Recuar a Malária", em entrevista à DW África.
De acordo com dados oficiais, o índice de mortalidade em Moçambique caiu 25 por cento em nove meses em 2023, comparado com igual período de 2022. Ante o esforço que o combate à doença exige, a Organização Mundial da Saúde (OMS) admitiu incluir Moçambique na Iniciativa de Vacinação contra a Malária neste primeiro trimestre de 2024.
Erradicação só até 2027
João Alcântara, coordenador interino do Programa de Luta contra o Paludismo, reconhece igualmente que São Tomé e Príncipe também pode tirar vantagens da experiência de Cabo Verde, com quem mantém cooperação neste domínio desde 2022.
As condições climatéricas de Cabo Verde diferem das de São Tomé e Príncipe, onde chove durante nove meses. Apesar disso, as autoridades são-tomenses têm retirado ensinamentos do sucesso cabo-verdiano. Numa recente visita de estudo efetuada àquele país lusófono da África Ocidental foi possível perceber, por exemplo, a importância da mobilização das comunidades.
"Valeu a pena ter ido para Cabo Verde para obter essas experiências entre outras que adquirimos no decorrer dessa visita de estudo", disse João Alcântara à DW África.
A luta contra a malária em São Tomé e Príncipe está comprometida desde 2022, com o aumento do índice de infetados. Tal facto pôs em causa a estratégia inicial para a erradicação da doença até 2025 e levou o Governo são-tomense a redefinir novas metas para o período 2023-2027.
Na passada sexta-feira (19/01), as autoridades sanitárias são-tomenses estiveram reunidos com os parceiros, em São Tomé, para avaliar a situação da malária no país.
Em 2023, de acordo com João Alcântara, foram registados 2368 casos de paludismo, incluindo os importados de Angola, Gabão, Congo, Guiné Equatorial e Ilhas Filipinas. O responsável assegura que o número de casos é relativamente mais baixo comparado com o ano transato. "Com o Plano Estratégico que fizemos no ano passado, a meta para este ano é encontrar menor número de casos que nós vimos em relação ao ano anterior."
De acordo com as metas do Plano Estratégico, São Tomé e Príncipe quer eliminar a malária nos distritos de Caué e na Ilha do Príncipe em 2027. O coordenador interino do Programa de Luta contra o Paludismo diz que a previsão é que os restantes cinco distritos tenham menos de um caso por mil habitantes.