Centro de Investigação de Saúde da Manhiça - o orgulho de Moçambique
Ainda não são oito horas da manhã, mas o dia de trabalho já começou no Centro de Investigação de Saúde da Manhiça. Num ambiente tranquilo algumas pessoas esperam para ser registadas na recepção deste centro de pesquisa que se localiza a cerca de 100 km a norte da capital moçambicana, Maputo.
O centro é acolhedor e repleto de verde. Sem a placa de identificação ninguém imaginária que o recinto é um importante lugar de pesquisa. Percebe-se uma relação de proximidade entre os presentes, para além de que o edifício térreo parece um condomínio residencial.
Segundo o diretor do CISM, Eusébio Macete, a instituição surgiu em 1996, resultado da cooperação entre a Espanha e Moçambique. Depois de oito anos o centro ultrapassou a expetativas e cresceu. Assim, em 2008, nasceu a Fundação Manhiça. O centro é uma instituição nacional pertencente a esta fundação que por sua vez pertence ao governo de Moçambique, da Espanha, à Universidade Eduardo Mondlane, à Universidade de Barcelona e à Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade.
Quadros qualificados nacionais em quantidade
Atualmente trabalham aqui aproximadamente 360 pessoas, mas o número varia consoante o tipo de pesquisa em curso. 40 deles são licenciados, desses 12 tem nível de mestrado e quase todos eles fizeram o doutoramento. Dos pesquisadores fixos somente quatro são estrangeiros. A participação dominante de pesquisadores moçambicanos faz do CISM um caso raro em África.
O principal foco de pesquisa do Centro são as doenças que mais matam em Moçambique e em África: a malária, o HIV-SIDA e a tuberculose. A malária continua a a principal preocupação, pois é responsável por 30 por cento das mortes registradas em Moçambique.
A menina dos olhos bonitos do CISM - a vacina da malária
O centro das atenções é a vacina contra a malária que está na fase de testagem. São os primeiros testes a nível mundial de uma vacina contra a doença. O responsável pela pesquisa da vacina, Pedro Aide, diz que "este momento antecede o licenciamento deste produto."
Estão envolvidas cerca de 17.000 crianças em cerca de sete países africanos. O CISM trabalha com um grupo de cerca de 1.500.
A vacina chama-se RTSSO2 e é produzida pela farmacêutica multinacional de origem britânica GlaxoSmithKline. Ela ainda está na fase de ensaio, mas já se vê uma luz no fundo do túnel, pelo que se pode depreender das palavras de Pedro Aide: "Até ao momento os resultados mostram que ela parece boa, pelo menos em termos de segurança. Esperamos que ela funcione, e que possa ser registada como a primeira vacina contra a malária." O CISM espera ter os resultados finais deste ensaio em finais de 2013. "Se for segura então faremos o registo e comercialização", garante Pedro Aide.
Testagem: a criação de uma base legal
Tudo isto só será possível graças a contribuição de pacientes que se ofereceram para a testagem. O teste de medicamentos novos era, entretanto, novo em Moçambique, e por isso não havia mecanismos legais quando começaram os testes na Manhiça.
De acordo com normas internacionais primeiro deve ser assegurada a proteção das pessoas e depois os benefícios em relação ao ensaio. E isso tinha de ser aprovado por um comité de ética, que Moçambique não tinha. Foi preciso cria-lo primeiro, de acordo com o diretor do CISM. Ainda de acordo com as explicações de Eusébio Macete "as pessoas têm de entrar no estudo voluntariamente. E tem de haver um documento que prove isso."
O investigador tem de garantir a segurança do testado em termos de tratamento e isso é vantajoso porque acaba por criar benefícios para os participantes. "Num contexto como o de Moçambique, em que as infraestruturas são humildes, o ensaio acaba por reforçar a capacidade de assistência médica dos locais onde o estudo é feito", garante o director do CISM.
Para além dos testes da vacina, o CISM já alcançou outras conquistas na prevenção e combate à malária, como por exemplo, a contribuição para mudança da linha terapêutica no combate a malária em 2003, o uso de redes mosquiteiras em larga escala, a contribuição para dar os primeiros passos para os primeiros resultados de eficácia para a vacina da malária no mundo em 2003.
Vacina contra tuberculose
Outra vacina em pesquisa, e que está no bom caminho, é contra a tuberculose. Em Moçambique são detetados anualmente cerca de 87 mil casos novos da doença. E apesar dela ter cura, ainda é responsavél por muitas mortes. Em África mata cerca de 250 mil pessoas por ano.
A vacina chamada "Airas 402" deverá ser ministrada a crianças menores de seis meses, se os testes forem um sucesso. A sua pesquisa é financiada por uma empresa norte-americana, onde participam também o Quénia, África do Sul e Uganda. O responsável pela área da tuberculose no CISM, Quizito Gondo, conta que "o estudo começou no ano passado na Manhiça. Estamos agora a fazer o seguimento. Esperamos terminar isso para o ano e depois vemos se funciona ou não."
Prestígio do CISM atrai mais apoios
Estas pesquisas são caras. A maior parte do financiamento é externo: 75% do financiamento vêm da Cooperação Espanhola. A contribuição do governo moçambicano é pouca. Mas o Ministério da Saúde contribui com recursos materiais e paga os salários do pessoal médico da sua instituição que aqui trabalham. O diretor do centro está certo de que no futuro virá mais ajuda do governo moçambicano.
O apoio externo e o prestígio atraem ainda outros tipos de ganhos para o CISM, segundo Eusébio Macete, abrindo portas para outros financiamentos através de estudos: "Isso permite que os investigadores moçambicanos possam competir em pé de igualdade com colegas de outros países africanos."
O objetivo final do CISM com tanto investimento e conhecimento que produz é melhorar a saúde dos moçambicanos. Mas o investimento não é feito só na pesquisa em si, todo um contexto a sua volta tem de estar a altura para obter resultados satisfatórios.
E ai a Alemanha também entra. Por exemplo, a empresa Siemens equipa os laboratórios.
No que se refere a capacitação de quadros algumas fundações alemãs como a Fundação VW, a Volkswagen-Stiftung, tem dado também o seu contributo, nomeadamente na área de doenças negligenciadas. "A Alemanha não apoia no financiamento, mas na área de malária, várias vezes foi impulsionadora de seminários", assegura Eusébio Macete, o diretor do CISM.
Um zelo que denuncia profissionalismo
Durante a visita guiada à área de bacteriologia do CISM é obrigatório vestir roupas de proteção descartáveis para evitar contaminações. O cheiro a desinfectante, característico deste tipo de lugar, faz perceber os cuidados tomados. Só com autorização, as portas, com sistema digital, se abrem para estranhos.
Os equipamentos estão em permanente funcionamento, há amostras espalhadas nas bancadas e os três técnicos estão em plena labuta, um com o olho sobre o microscópio, outra no computador e o último a manusear um equipamento de testagem.
No laboratório de parasitologia a técnica Maria Nélia Manaca explicou, de uma maneira geral, como funciona o trabalho: "Fazemos investigação em saúde e damos suporte ao Centro de Saúde da Manhiça. Temos ainda um laboratório de dermatologia, de biologia molecular, e de imunologia."
CISM - a esperança do setor de saúde em Moçambique
O CISM foi considerado pelo Banco Mundial em 2003 como uma das seis instituições de pesquisa mais importantes de África. Ao nível dos países lusófonos em África o centro é pioneiro, todos outros grandes se encontram nos países anglófonos.
Todos os trabalhadores do centro com quem conversei sentem um orgulho grande por contribuírem para um centro desta natureza, como por exemplo Maria Nélia Manaca: "É uma honra e um privilégio porque é o único centro desta dimensão, há outros centros, mas não estão tão bem equipados como este. Todos viemos para aqui sem experiência e temos aprendido muito aqui."
Autora: Nádia Issufo
Revisão: Johannes Beck