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Caso Manuel Vicente: "Não há razão legal" para não avançar

27 de setembro de 2022

Em entrevista à DW, o jurista Rui Verde afirma que não se pode prever o desfecho do caso do ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente, cuja imunidade termina este mês. "Eventualmente em amnistia poder-se-á falar", diz.

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Angola - Vize-Präsident Manuel Vicente
Foto: Getty Images

A imunidade de Manuel Vicente termina agora em setembro. O antigo vice-presidente de Angola tem estado protegido por uma legislação que lhe confere imunidade até cinco anos depois de abandonar o cargo.

Vicente é arguido na "Operação Fizz". É acusado de corromper o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros, para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Mas também está implicado no processo contra os generais "Dino" e "Kopelipa", acusados de crimes como peculato, associação criminosa e branqueamento de capitais.

Em entrevista à DW África, o jurista Rui Verde, investigador da Universidade de Oxford, considera que com o fim da imunidade, "não há nenhuma razão legal" para que os processos relativos a Manuel Vicente não comecem.

DW África: O que se pode esperar agora com o fim da imunidade do ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente? Poderá ser indiciado criminalmente?

Rui Verde (RV): Eu creio que será mais ou menos automaticamente que os processos relativos a Manuel Vicente comecem. São dois processos que poderão avançar agora. Não vejo uma razão formal nem legal para que não avancem. Diferente é depois dizer se há uma acusação, se há julgamento, o que é que acontece, isso ninguém pode prever. Agora, os processos inciarem a sua tramitação, não vejo razão para que isso não aconteça.

Rui Verde
Foto: DW/J. Carlos

DW África: Em nenhum dos casos em que está implicado coloca-se a questão da prescrição?

RV: Prescrição em termos técnicos não. Eventualmente em amnistia poder-se-á falar. Mas para saber se há amnistia, primeiro temos de definir os factos e além dos factos, definir quais são os crimes que estarão em causa e só depois de fazer este trabalho todo é que se sabe se há amnistia ou não. Não é uma espécie de "papa instantânea". Portanto, para qualquer conclusão, primeiro tem de haver um processo.

DW África: Quando fala em amnistia refere-se à lei de 2016?

RV: Precisamente. Há uma lei que é pública e conhecida e que serviu para aministiar os famosos 15+2, mas que é aplicável a toda a gente. Mas essa lei só se aplica a crimes com 12 ou menos anos de punição e alguns crimes que podem ser aquilo a que se chama "moldura penal", isto é, os anos a que a pessoa pode ser condenada acima dos 12 anos. Portanto, tudo depende. Neste momento, não há nenhuma razão legal para que os processos não comecem. Começando, tem de se avaliar, tem de se ver os factos que são, tem de se ver qual é o enquadramento criminal e só depois é que há decisões.

DW África: Manuel Vicente tem estado protegido por essa legislação. Com o fim da imunidade, se os casos vierem a ser arquivados ou os processos não avançarem, pode voltar a trazer à tona o debate sobre uma alegada seletividade na "cruzada contra a corrupção" no país?

RV: Levanta-se, embora quando se fala em justiça seletiva, eu penso que não é a melhor terminologia, porque uma vez que todos os casos que têm sido levados a tribunal, são sempre casos diferentes. Não há aqui uma espécie de massificação da corrupção, como o combate à corrupção que aconteceu na Arábia Saudita, que o príncipe herdeiro num dia meteu 300 ou 400 pessoas num hotel e só saíram de lá depois de confessar. Em Angola não foi isso que se seguiu e ainda bem.

Portanto, é um caso a seguir a outro caso, a seguir outro caso, outro caso - o que pode parecer massacrador, mas é assim que funciona a justiça. E, portanto, não há razão para não pensar que neste caso também o mesmo aconteça, porque não se pode dizer previamente que Vicente é culpado ou que Vicente é inocente, ou que Vicente está amnistado ou que os crimes estão prescritos. Tem de existir um processo, ou dois processos, isso é fundamental. Nós não podemos antecipar qualquer conclusão de um processo e todos a gente tem direito à presunção de inocência. Mas iniciar-se um processo e seguir a sua tramitação, acho que é quase impossível.