Campanha presidencial gera debate sobre migração em Portugal
22 de janeiro de 2021Os portugueses escolhem, no domingo (24.01), o próximo Presidente da República. Vão votar na possível continuidade do atual inquilino do Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa, ou num dos outros seis candidatos que entram nesta corrida eleitoral, marcada pela pandemia da Covid-19.
Durante a campanha eleitoral de duas semanas, que termina esta sexta-feira, os sete concorrentes defenderam temas diversos da política nacional, europeia e internacional. O combate ao racismo e o tema da integração dos imigrantes na sociedade portuguesa constaram nas agendas de Ana Gomes, Marcelo Rebelo de Sousa e Marisa Matias, que se confrontaram em debates televisivos com André Ventura, defensor de uma política mais restritiva em relação à imigração e às minorias étnicas.
Na reta final do período de campanha, Ventura foi esta quinta feira, (21.01), apedrejado à saída de um comício na cidade de Setúbal, por algumas dezenas de manifestantes. A agressão foi alegadamente motivada pelas posições de Ventura em relação à etnia cigana, um dos principais "alvos” das políticas do candidato do partido "Chega”.
Racismo e imigração
Temas como o racismo e a imigração não dominaram a campanha eleitoral mas foram questões levantadas em alguns dos principais debates televisivos, sobretudo nos confrontos de Marcelo Rebelo de Sousa, Marisa Matias e Ana Gomes contra André Ventura. Os três repudiaram o discurso anti-imigração e xenófobo do candidato.
As ideias sobre estas temáticas evidenciaram-se mais nos debates entre Marcelo Rebelo de Sousa, quando desafiado sobre a visita que fez, em 2019, ao Bairro da Jamaica, depois dosincidentes entre uma família angolana e a polícia.
"Nesta fotografia, o candidato Marcelo Rebelo de Sousa juntou-se com bandidos que tinham atacado uma esquadra policial e quando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa foi ao Bairro da Jamaica foi visitar os bandidos. Não foi visitar as polícias. Muitos destes indivíduos vieram para Portugal para beneficiar única e exclusivamente daquilo que é o Estado social e daquilo que o Estado lhes pode dar”, instigou Ventura num frente a frente com o atual Presidente.
Marcelo de Rebelo de Sousa defendeu-se lembrando que é o "Presidente de todos”.
"Fui lá como fui a muitos outros bairros para mostrar que o Presidente da República não tem medo de ir a qualquer dos bairros. Vai tão depressa a bairros ciganos como vai de africanos, como vai no daqueles que o não são. Eu sou o Presidente de todos os portugueses. Sou Presidente dos desempregados, dos pobres, dos imigrantes. Essa distinção diz tudo sobre si. Portugal é feito, desde sempre, de povos que vieram de África, vieram de todos os pontos do mundo”, sublinhou.
Ódio contra imigrantes?
Ventura participou, igualmente, num frente a frente com a candidata socialista, Ana Gomes, que criticou a sua postura alegadamente "racista e de incitação ao ódio" contra os imigrantes. A ex-diplomata, que vê em Marcelo Rebelo de Sousa o seu principal adversário nesta corrida presidencial, disputa o segundo lugar com André Ventura.
A candidata esteve no Bairro dos Navegadores e inteirou-se do modelo exemplar de integração de africanos e ciganos no concelho de Oeiras, na periferia de Lisboa. Disse, em declarações à DW África, que Portugal pode fazer "muito mais" para incluir devidamente os imigrantes.
"Portugal, por ser um país de emigração ao mesmo tempo que é um país de imigração, não pode permitir nenhuma força política fazer este tipo de propaganda de ódio, segregacionista, divisionista, com base na cor da pele, e com base também numa lógica racista e numa lógica desumana de estigmatização do imigrante, entre outros aspetos”, lamentou.
Legalização de imigrantes
Foi durante uma visita à Associação de Solidariedade Imigrante, em Lisboa, que Marisa Matias - eurodeputada e dirigente do Bloco de Esquerda - pôde perceber melhor o drama dos cidadãos estrangeiros, na sua maioria africanos, para se legalizarem em Portugal.
"Nós estivemos nas instalações e pudemos ver centenas e centenas de processos de pessoas. E cada uma dessas pessoas está muitas vezes há um ano ou mais à espera de um agendamento para começar o seu processo de regularização. Não é admissível”, frisou.
Como imigrante, o que mais inquieta Emílio Borges, um cabo-verdiano radicado há 20 anos em Portugal, é um certo discurso nacionalista registado no arranque da campanha eleitoral. Para ele, e à luz deste discurso xenófobo, a luta política por Belém centra-se em dois candidatos: Marcelo Rebelo de Sousa, que tem tido um discurso moderado, e André Ventura, que tem propagado uma mensagem xenófona, nomeadamente contra os afrodescendentes.
"Neste momento, o André Ventura conseguiu, ele mesmo, fazer com que os imigrantes, e não só, vejam no seu discurso um perigo para toda a sociedade. Portanto, enquanto imigrantes, nós fazemos votos que Marcelo Rebelo de Sousa seja o próximo Presidente de Portugal. Aliás, continue a ser Presidente de Portugal”.
Concorrem para estas presidenciais Marisa Matias (apoiada pelo Bloco de Esquerda), Marcelo Rebelo de Sousa (PSD e CDS/PP), Tiago Mayan Gonçalves (Iniciativa Liberal), André Ventura (Chega), Vitorino Silva, independente mais conhecido por Tino de Rans, João Ferreira (PCP e PEV) e a militante socialista Ana Gomes (apoiada pelo PAN e Livre).
De acordo com a última sondagem da Universidade Católica, Marcelo Rebelo de Sousa ocupa a primeira posição com 63% das intenções de voto. Segue-se Ana Gomes, com 14%, que, por força de uma eventual subida elevada da abstenção, considera desejável uma segunda volta. Se for eleita, será a primeira mulher na Presidência da República em Portugal.