Cabo-verdianos brilham nos palcos de Sines
29 de julho de 2017Todos os anos, por esta altura, o concelho de Sines, na costa alentejana portuguesa, abre as portas às músicas do mundo. Nesta edição, entre os dias 21 e 29 de julho, foram 56 concertos em Porto Covo e Sines. Como já é habitual, África ocupa um espaço privilegiado neste evento.
Dos países lusófonos, passaram por Sines nomes de vulto da música cabo-verdiana, como Mário Lúcio - bem como o projeto "Coladera", que casa vozes do Brasil, de Portugal e de Cabo Verde.
Tendo deixado o cargo de ministro da Cultura, Mário Lúcio regressa aos palcos e aos discos. No Castelo de Sines, reafirmou quem é com o álbum "Funanight", que acaba por ser uma homenagem ao funaná, o mais bailador ritmo cabo-verdiano. "Funaná libertador", como fez questão de sublinhar.
"Muita gente pergunta: 'Como é que o Mário Lúcio que nós conhecemos nos discos anteriores deu esse salto?", revela.
"Não! Eu sou aqui um homem do funaná. Estou a dar o meu grito libertador também. E ele é libertino, porque permite contacto com os corpos, permite jogos sexuais, permite sedução. Ele [o funaná] é libertário também, porque ao mesmo tempo que libertador de si próprio, permite várias liberdades," explica Mário Lúcio.
É o que se assistiu nas primeiras horas deste sábado (29-07) e que acontecerá quando Mário Lúcio atuar na Alemanha ainda no último trimestre deste ano. Também lá, recordará numa das suas canções os tempos difíceis dos cabo-verdianos contratados, no Período Colonial, para trabalho forçado nas roças de cacau e café de São Tomé.
Por sua vez, Lura, a cabo-verdiana nascida em Lisboa, inspira-se nas raízes tradicionais de Cabo Verde e traz a morabeza das ilhas. Esta noite, brinda o público de Sines com "Herança", o seu mais recente trabalho discográfico.
"Neste disco "Herança", gostei de aprofundar e mostrar este meu regresso às raízes de uma forma mais madura. Já falo desde o tempo de Goré, [no Senegal], desde a viagem dos escravos para Cabo Verde. É importante ir dando a conhecer ou manter viva a nossa história, as nossas vivências, a nossa evolução, as nossas lutas desde há 500 anos, que é a idade das nossas ilhas até agora, até à independência. A "Herança" é o que me deixaram para contar estas histórias," ponderou.
O funaná, mas também o batuque, são os ritmos com os quais encanta os amantes deste género de música africana.
Esta noite, à mistura com esta viagem aos diferentes ritmos de Cabo Verde, a surpresa é o convite especial que Lura fez ao músico Hélio Batalha, um rapper cabo-verdiano cheio de talento, que acaba de lançar o CD "Karta D'Alforia".
Encontros lusófonos
No passado sábado (22.07), o festival também proporcionou um encontro luso-moçambicano: Costa Neto e João Afonso, dois músicos nascidos em Moçambique que a vida trouxe para Portugal, subiram ao palco em Porto Covo, a uma só voz.
"Nós conciliamos, sobretudo, as nossas causas e temos mais ou menos a mesma linha de pensamento em relação àquilo que é a cultura, àquilo que é a música. Como músicos, somos de intervenção social. Que isto não se confunda," afirma Costa Neto.
"Não somos aguerridos no sentido de sermos problemáticos, mas queremos, com a nossa música, deixar sempre uma sugestão para aquilo que se pode melhorar em relação à nossa vida, em relação à vida social, em relação ao futuro de Moçambique e não só - porque hoje não se pode dissociar um país do resto do mundo. O que acontece em Moçambique, para o bem e para o mal, é um pouco fruto daquilo que são as malícias de todo o mundo," finaliza.
Esta primeira atuação neste formato acabou por ser uma experiência bem sucedida, embora os dois músicos já tenham estado juntos antes num concerto em Lisboa pela paz em Moçambique.
Na mesma semana, com recurso à arte da palavra, Waldemar Bastos cantou Angola com alma, a poucas semanas das eleições gerais no seu país natal.
"Com certeza, cantar Angola e o mundo, os valores humanos que o mundo tanto necessita. Desta vez [decidi aparecer] com um projeto acústico. São dois violões e percussão. Trata-se de uma abordagem diferente, de banda, que não é totalmente intimista. É mais o lado acústico a falar, a cantar," considera Bastos.
As músicas do mundo em Sines
A edição deste ano do FMM contou ainda com a atuação de músicos e bandas de Marrocos, Mali, Camarões, Tunísia, Nigéria, Costa do Marfim e África do Sul.
Referência incontornável vai para um dos melhores baixistas africanos do mundo, Richard Bona, cantor e multi-instrumentista nascido nos Camarões. O músico, radicado nos EUA, associou-se à orquestra Mandekan Cubano para sublinhar a ligação siamesa entre as culturas da África Ocidental e das Américas.
Por sua vez, o rapper brasileiro Emicida estreiou-se em Sines com o álbum "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa...", concebido numa viagem a Angola e Cabo Verde. Confirmou-se, com o tema sobre os musseques de Luanda, que é em África que busca inspiração e autoestima.
O FMM Sines é, entre os 715 do género, um dos 26 eventos europeus laureados, no biénio 2017-2018, pelo júri do EFFE Label, selo de qualidade atribuído a festivais de todas as áreas artísticas.