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"Fugas de informação" dificultam combates em Cabo Delgado

Marta Cardoso
4 de junho de 2020

À DW, investigador afirma que "fugas de informação" e "infiltrados" têm dificultado a luta contra os insurgentes em Cabo Delgado. Diz ainda que, na semana passada, em Macomia, militares terão sido mortos por engano.

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Foto: DW/A. Chissale

Há uma semana, a vila de Macomia, na província moçambicana de Cabo Delgado, acordou ao som dos disparos de insurgentes armados. O ataque prolongou-se durante três dias. O grupo saqueou vários estabelecimentos comerciais usando pessoas como escudos, segundo relatos de locais.

No domingo (31.05), o ministro da Defesa Nacional, Jaime Neto, anunciou que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) abateram 78 terroristas, incluindo dois cabecilhas de nacionalidade tanzaniana, e feriram outros 60.

Em entrevista à DW África, Sérgio Chichava, investigador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) em Maputo, diz que a história não é bem assim. E avança que vários elementos do Exército moçambicano terão sido abatidos por engano, uma vez que os insurgentes usam o uniforme das FDS, tornando difícil distinguir quem é o inimigo. No domingo, o Governo não indicou baixas do lado moçambicano. Não há memória de qualquer menção a baixas das Forças Armadas desde o início dos ataques dos insurgentes em Cabo Delgado, em outubro de 2017.

O investigador refere ainda que as "fugas de informação" têm estado a dificultar o combate aos insurgentes.

DW África: A morte dos insurgentes, anunciada pelo ministro da Defesa Nacional, significa um ponto final nos ataques em Cabo Delgado?

Sérgio Chichava (SC): Ponto final? Não há certeza de que foram abatidos 78 insurgentes. No seio da sociedade moçambicana, há ceticismo em relação aos números avançados. O certo é que os insurgentes ocuparam a vila [de Macomia] por cerca de três dias e saíram de lá de livre vontade, não foram expulsos pelas Forças Armadas.

O que aconteceu foi que as Forças Armadas fizeram uma emboscada numa via onde foram abatidos os tais cabecilhas dos insurgentes, numa zona chamada Nova Zambézia, na aldeia 5º Congresso. Como os insurgentes usam o mesmo uniforme que as forças de segurança, alguns elementos das FDS foram abatidos por helicópteros que vinham socorrê-los, porque era difícil fazer a distinção de quem era o inimigo.

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DW África: Há perigo de novos ataques na zona de Macomia?

SC: O risco de haver novos ataques é enorme. Acompanhamos agora, através de alguma imprensa, a chegada de meios aéreos vindos da África do Sul para reforçar a capacidade combativa das FDS. Não sei qual vai ser o impacto disso, mas parece-me informação a ter em conta e que talvez possa mudar o curso dos acontecimentos. Não esperamos que a situação melhore assim tão rapidamente, porque há também, no seio das Forças Armadas, uma certa desorganização, que leva a que os insurgentes consigam fazer o que estão a fazer.

DW África: Há relatos de que os insurgentes têm melhor armamento que o Exército moçambicano. Como é possível contra-atacar?

SC: Nós temos entrevistado gente que está no terreno a combater os insurgentes. Muitos deles dizem que não é que os insurgentes sejam mais fortes que o Exército moçambicano - há fuga de informação, há muita infiltração. As pessoas dizem claramente que não é possível combater um inimigo que já sabe que nós iremos atacar a base no dia tal, à hora tal. Já sabe os nossos movimentos. Não é possível.

Por outro lado, os militares andam desmotivados, em termos de condições logísticas no terreno e condições salariais. Tudo isso precisa ser resolvido. Enquanto esses elementos não forem resolvidos, o Governo terá mais dificuldade em lidar com a insurgência.

DW África: O IESE tem investigado a existência do grupo extremista islâmico "Al-Shabaab" na região. Que apoios tem este grupo?

SC: A nossa informação do terreno demostra que os ataques da semana passada em Macomia foram protagonizados pelo "Al-Shabaab". É bastante difícil saber quem está a apoiar estes indivíduos. O que se sabe é que há uma série de elementos que estão por detrás ou a financiar a rebelião. Fala-se de indivíduos que antes estiveram ligados ao garimpo e que foram expulsos violentamente na altura em que se fez a implementação da empresa que está a fazer a exploração de rubis em Montepuez. Creio que isso foi em abril de 2017, uns seis meses antes do ataque a Mocímboa da Praia.

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Mas a história do "Al-Shabaab" não começa com a violência que foi protagonizada pelo Estado moçambicano em 2017. Um pouco antes disso, em 2014/2015, já na zona de Cabo Delgado havia indivíduos que andavam a pregar um Islão diferente do Islão que nós conhecemos em Moçambique. Um Islão que negava a existência de um Estado laico e que tinha a pretensão de impor a "Sharia". Mas isso fazia-se através de pregação e de vias pacíficas.

A hipótese que nós avançamos é que o que aconteceu foi uma conjugação de fatores, entre esses elementos que tentavam impor esse Islão radical - e que não conseguiram fazer isso porque foram rejeitados pelas lideranças muçulmanas locais - com os elementos que faziam o garimpo. E hoje também está claro que no seio do "Al-Shabaab", pelo meio a nível das lideranças, há muitas pessoas que vêm do Congo e da Tanzânia.

DW África: Como foi possível a insurgência se alastrar tanto desde o primeiro ataque em Cabo Delgado?

SC: O Estado [moçambicano] ignorou os avisos antes dos ataques. Porque houve tantos avisos por parte das lideranças islâmicas, que diziam que algo estranho se estava a passar ali. Depois do ataque de outubro de 2017, penso que o Governo também não levou [a questão] muito a sério. Houve a prisão de dezenas de pessoas e os ataques só voltaram a aparecer algum tempo depois, a partir de meados de 2018. E só aí é que o Governo levou a sério.

DW África: A solução passa por fechar a província, como dizem alguns analistas?

SC: Eu acho que sim, e, pelo menos por algum tempo, declarar "estado de sítio" em Cabo Delgado. Para controlar a situação é preciso um pouco de radicalismo. Mas o que está a acontecer também é que não se nota uma cooperação ativa por parte da Tanzânia neste assunto, tendo em conta que há elementos que mostram que cidadãos tanzanianos que estiveram a praticar crimes na Tanzânia e que eram procurados pela polícia fugiram para Moçambique e juntaram-se ao "Al-Shabaab".

E outra coisa. O Presidente da Tanzânia, John Magufuli, foi um dos presidentes ausentes na tomada de posse do Presidente [moçambicano] Filipe Nyusi. E nós colocamos a questão: Mas porquê? Portanto, há alguma coisa que precisa também de ser resolvida entre as lideranças dos dois países para que haja sucesso no combate à insurgência em Cabo Delgado.