"Declarações de Sissoco são prejudiciais à democracia"
20 de julho de 2024A relação entre o Presidente da Guiné-Bissau e os jornalistas guineenses ganhou novos contornos, após Umaro Sissoco Embaló ter afirmado que decretou um "boicote" ao sindicato da classe, que tinha apelado aos seus associados para não cobrirem as atividades do Chefe de Estado.
Após as declarações desta quinta-feira (18.07.) do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, fonte do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social (SINJOTECS) disse à DW que o órgão está a levar a sério o anúncio de Embaló, adiantando que está prevista para este sábado (20.07) uma reunião dos órgãos de comunicação social guineense para analisar a situação e tomar uma posição.
Umaro Sissoco Embaló acusa o SINJOTECS de estar caduco e diz ter decretado um "boicote" aos jornalistas e ao seu sindicato, em resposta ao apelo que o órgão representante da classe fez aos associados para boicotarem os eventos do Chefe de Estado, que na semana passada soltou palavras insultuosas contra um jornalista.
"Eu também boicotei jornalistas. Já decretei boicote ao sindicato de jornalistas, que é um órgão ilegal. Quem não está legal não pode falar, só estão a falar porque a Procuradoria-Geral da República (PRG) não está a fazer o seu trabalho", disse Embaló que acrescentou que a PGR e o Ministério da Comunicação Social "devem acionar mecanismo contra esse órgão caduco."
Ordem à PRG e ao Governo
Em entrevista à DW, o jurista Fodé Mané considera que estas declarações de Sissoco Embaló visam transmitir um recado ao Executivo. Segundo Mané, ao dizer que o Governo deve tomar medidas contra o Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social, o PR estaria a dar ordens no sentido de o Executivo atuar contra o sindicato.
"Ele [Presidente da República] pretende demonstrar que as pessoas que o desafiam devem pagar por isso", afirmou Mané.
Para o jornalista Bacar Camará, a atitude de Sissoco Embaló são prejudiciais à democracia e ao Estado de Direito.
"Acho que o Chefe de Estado devia potenciar a liberdade de imprensa e a democracia. [Mas] com essa conduta, não ajuda para a consolidação da democracia e do Estado de Direito. Aliás, o Presidente da República tem constantemente hostilizado a imprensa, desde que assumiu a presidência do país", observou.
O jurista Fodé Mané não tem dúvidas de que as declarações do Chefe de Estado guineense também revelam à musculação perante os jornalistas.
"É a continuação e o aumento da sua agressividade contra os direitos fundamentais dos cidadãos, principalmente dos que defendem ou que são vozes dos sem vozes, que são os jornalistas", acrescenta.
Comportamento antigo
A antipatia de Umaro Sissoco Embaló aos jornalistas e órgãos de comunicação social da Guiné-Bissau não são de agora. Também enquanto primeiro-ministro, em 2017, Embaló desferiu um duro ataque contra a imprensa nacional, ameaçando na altura contratar órgãos internacionais para atuarem no lugar dos jornalistas guineense que considera parciais e "sem preparação".
Desde que assumiu a Presidência da Guiné-Bissau em 2020, registou-se dois ataques armados à rádio privada Capital FM, encerramento das emissões de dezenas de rádios por alegadamente não pagarem a licença e ataques contra analistas políticos.
Em janeiro passado, Sissoco Embaló ameaçou acabar com analistas políticos nas rádios do país e acusou os jornalistas de serem da oposição.
Esses ataques levaram o Sindicato dos Jornalistas e Técnicos de Comunicação Social a realizar uma vigília em Bissau para pedir que Umaro Sissoco Embaló os "deixe trabalhar". Na ocasião, a presidente do SINJOTECS, Indira Correia Baldé, apelou também à intervenção do Chefe de Estado português, Marcelo Rebelo de Sousa, para sensibilizar o seu homólogo guineense sobre a forma de relacionar com a imprensa.
O jornalista Bacar Camará não vê solução para o problema.
"Eu acho que o Presidente não vai parar, vai continuar com os seus ataques à imprensa, sobretudo contra os jornalistas que estão a fazer a informação com total liberdade e independência. O Presidente não quer que lhe seja colocada questões que não são da sua conveniência ou não quer responder e, entretanto, o Presidente obriga a imprensa a colocar-lhe perguntas que lhe apetece. Sendo assim, naturalmente a confrontação vai continuar", concluiu.