Autárquicas em Moçambique: 5 lições para as eleições gerais
20 de outubro de 2023O processo das eleições autárquicas em Moçambique está agora numa fase de contestação dos resultados eleitorais. Mas, tendo em vista as eleições gerais de 2024, analistas ouvidos pela DW África apontam já para várias lições que o país pode tirar deste pleito.
Uma delas é o nível de preparação da oposição, que, segundo os especialistas, está agora alinhada com os "ditames legais" e conseguiu levar aos tribunais ilícitos eleitorais.
Do recenseamento, passando pela votação até ao apuramento: O que mais Moçambique aprendeu com as autárquicas?
1. Problemas no recenseamento eleitoral
O processo de recenseamento mostrou a "vontade que os cidadãos têm de participar nas eleições", mas deixou clara a falta de capacidade das autoridades de atender à alta demanda dos eleitores. É o que diz o politólogo e docente universitário Ricardo Raboco.
O especialista refere que o número de mobiles e de funcionários aceites para o recenseamento eleitoral, e o número de espaços criados para que esse processo pudesse ocorrer, "pareceu, de longe, inferior ao número de potenciais eleitores".
Nas próximas eleições, recomenda o politólogo, "é preciso tomar cautela relativamente a esses aspetos, sobretudo para aquelas cidades com mais habitantes, de acordo com os dados estatísticos".
Além de ampliar os recursos técnicos e humanos, Raboco destaca ainda a necessidade de dar mais formação aos funcionários que vão atender a população, para agilizar o recenseamento – que este ano, recorda o politólogo, foi marcado pela "lentidão".
Já para Lázaro Mabunda, investigador do Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), a lição que fica do recenseamento é a necessidade de mais transparência, "porque são os políticos no poder que estão a liderar com todo o processo e são vencedores antes do processo eleitoral".
"O partido FRELIMO [Frente de Libertação de Moçambique] definiu como esse recenseamento devia ser. Foi um recenseamento caraterizado por bloqueios de eleitores da oposição", recorda Mabunda.
2. Desorganização e influência do partido no poder
Também na votação, a influência do partido no poder foi novamente uma lição negativa.
De acordo com Mabunda, "o processo da votação foi dominado pelos membros das mesas de voto e diretores do STAE nos distritos, presidentes das comissões distritais e provinciais de eleições e também pela polícia - todos atores controlados pelo partido no poder".
Na votação, Ricardo Raboco aponta a desorganização, com "enormes filas", como um dos maiores problemas a resolver nos próximos processos eleitorais.
"Foi preciso, de forma constante e sistemática, chamar a polícia. Mas esta desorganização, muita das vezes, é reflexo da desorganização da instituição não só que faz a gestão como também a que supervisiona o processo eleitoral", explica.
Raboco lembra ainda os "apagões sistemáticos" verificados em vários pontos do país durante o processo de votação e até na contagem de votos. É outro aspeto da falta de organização dos órgãos responsáveis pelas eleições, na opinião do politólogo.
"Sabendo que, em processo de votação, os apagões são sistemáticos, surpreende que os órgãos eleitorais não se tenham preparado. Por exemplo, criando condições para ter lanternas, porque em muitas das mesas o processo de contagem e apuramento dos votos foi feito mediante o uso de lanternas de telefones", recorda o politólogo de Quelimane em entrevista à DW África.
3. Preparação da oposição e dificuldades no apuramento
Na etapa da contagem de votos, o politólogo Ricardo Raboco aponta lições positivas e negativas. A começar pelo "nível de preparação" dos partidos políticos da oposição, que conseguiram levar à Justiça as suas contestações.
Em vários casos, os tribunais distritais deram razão às queixas da oposição e mandaram anular as eleições ou recontar os votos.
"Antes, os partidos da oposição eram incapazes de seguir os procedimentos, tal como demandam os ditames legais, mas, desta vez, os partidos mostraram um elevado grau de preparação, tanto mais que conseguiram proceder com a impugnação prévia em todas as fases, até chegar aos tribunais distritais, e com maior margem de manobra para o Conselho Constitucional", afirma o politólogo, citando igualmente como lição positiva a participação da imprensa, que "também esteve muito preparada".
"Do ponto de vista negativo", Raboco destaca "a participação deliberada e um pouco mais articulada e sofisticada das próprias instituições da administração e gestão eleitoral e também das forças de defesa e segurança, que agiram tentando favorecer uma parte deste processo".
Por seu turno, Lázaro Mabunda ressalta a dificuldade na fiscalização do apuramento como uma lição negativa.
Segundo o investigador do CIP, a exemplo do que aconteceu em Homoíne, na província de Inhambane, em muitos locais os órgãos eleitorais criaram barreiras mesmo para os observadores que estavam oficialmente credenciados.
"Há zonas em que deixaram acompanhar todo o processo de votação. Mas quando chegou o momento do apuramento dos resultados, não aceitaram que os observadores estivessem dentro da sala", relata.
4. O papel dos tribunais
O politólogo Ricardo Raboco conclui que este foi "um dos processos mais fraudulentos da história das eleições em Moçambique". E deixa uma nota para os processos futuros, nomeadamente as eleições gerais de 2024.
"A lição geral vai depender da atuação dos tribunais", afirma.
Se não existir "uma resposta criminal e administrativa relativamente aos órgãos de gestão eleitoral e aos membros de partidos políticos envolvidos nessas práticas, há um maior descrédito. O eleitor sente que o seu voto eventualmente não conta, mas conta a vontade de algum grupo, então sente que não [vale a pena] votar".
Após as denúncias da oposição, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) prometeu investigar todas as irregularidades denunciadas e punir os presidentes das mesas que se recusaram a assinar editais do apuramento dos votos.
5. Revisão da lei eleitoral
Entretanto, o investigador Lázaro Mabunda, do CIP, recomenda uma revisão da lei eleitoral, "no sentido de agravar as penas aplicáveis aos infratores".
"Quem comete ilícitos eleitorais deve ser severamente punido. [Atualmente], quem comete um crime eleitoral paga [apenas] dois salários mínimos, e isso encoraja as pessoas a essa prática", explica Mabunda, acrescentando que em alguns casos as penas até podem chegar a alguns meses de prisão, que depois se tornam penas suspensas.