As reticências da Europa: Refugiados africanos não valem?
6 de janeiro de 2023O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, deixou na quinta-feira em Lisboa duras críticas aos países europeus em matéria de acolhimento de refugiados e aos maiores países poluentes no combate às alterações climáticas e apelou à não resignação.
De acordo com António Guterres, esses países, nomeadamente no leste da Europa, considerou, redimiram-se na recente crise de refugiados decorrente da invasão russa da Ucrânia, mas o líder da ONU recordou que o mesmo não ocorreu num passado recente, "em que refugiados da Síria se movimentaram pelos Balcãs de forma caótica, vendo portas atrás de portas fechadas".
Guterres saudou a abertura que foi ao longo dos últimos meses demonstrada em relação à crise na Ucrânia, mas, ao mesmo tempo, deixou um aviso: "Não pode deixar de nos fazer refletir por que é que a Europa recebe os refugiados ucranianos e tantos países europeus foram tão reticentes em receber refugiados sírios e africanos".
Segundo Guterres, esta situação "causou e causa em muitos, que vivem no chamado Sul Global, uma certa frustração, mesmo uma certa zanga, que leva a que lhes seja difícil exprimir a solidariedade que os europeus esperam quando a Europa enfrenta uma crise devastadora, com a invasão russa da Ucrânia e todas as consequências que isso teve na vida quotidiana, nos países europeus e de forma ainda mais dramática nos países do terceiro mundo".
A guerra na Ucrânia e as preocupações do Ocidente
Sobre o cessar-fogo na Ucrânia, anunciado pelo Presidente russo para o Natal ortodoxo, Guterres saudou a iniciativa, mas admite que se deve fazer mais para acabar com a guerra.
As tropas russas a combater na Ucrânia observarão um cessar-fogo de 36 horas entre o meio-dia de hoje, 06 de janeiro e a meia-noite de 07, decretou ontem o Presidente russo Vladimir Putin.
Mas, apesar do cessar-fogo, Guterres insiste numa solução para o conflito.
O secretário-geral da ONU fez ainda uma referência ao acordo de exportação de cereais retidos na Ucrânia, através do Mar do Negro, destacando a importância do entendimento alcançado em julho entre as Nações Unidas e as autoridades de Kiev, Moscovo e Istambul.
A chefe da diplomacia alemã desvalorizou o cessar-fogo russo. Annalena Baerbock afirmou que não trará "nem liberdade nem segurança às pessoas que vivem diariamente com medo sob ocupação russa". E, nesta quinta-feira, o Governo alemão anunciou que vai fornecer à Ucrânia veículos blindados de transporte de tropas e uma bateria de mísseis Patriot. O anúncio surgiu numa declaração conjunta alemã e norte-americana após o chanceler Olaf Scholz ter contactado o Presidente dos EUA.
"Nós (os Estados Unidos e a Alemanha) vamos aumentar o apoio à Ucrânia. Vamos fornecer os Veículos de Combate de Infantaria Bradley e Marders. E, além disso, vamos ajudar a defender a Ucrânia contra os ataques aéreos russos. A Alemanha também anunciou que hoje vai fornecer aos ucranianos, o sistema de defesa aérea Patriot, para lidar com os ataques aéreos. Vamos fornecer uma bateria adicional de defesa Patriot", Joe Biden.
Na quarta-feira, o Presidente francês, Emmanuel Macron, confirmou ao seu homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, que o seu país enviará à Ucrânia veículos blindados ligeiros. Em resposta, o Parlamento russo ameaçou confiscar propriedades alemãs, se a Alemanha congelar ativos e contas russas para transferi-los para a Ucrânia, em retaliação pela invasão russa.
Manutenção da paz no mundo
Segundo o líder da ONU, "por causa de um paradoxo", hoje há operações de manutenção de paz "onde não há nenhuma paz para manter". Foram concebidas para na sequência de acordos de paz, consolidar esses mesmos acordos e as transições para a democracia, "mas a verdade é que a maioria dos capacetes azuis enfrentam situações em que pululam grupos armados, grupos terroristas, alguns dos quais inclusivamente mais bem apetrechados e mais bem armados do que os soldados da paz".
Foi essa a razão que o levou a defender nas Nações Unidas a encarar este problema como uma prioridade, nomeadamente em África, com a criação de forças africanas robustas de imposição da paz e luta antiterrorista, sob o artigo sétimo da Carta das Nações Unidas e com financiamento garantido através das contribuições obrigatórias.
"Esta foi a mais séria batalha que perdi como secretário-geral das Nações Unidas", admitiu, prosseguindo: Não consegui convencer o Conselho de Segurança a aceitar esta necessidade, e por isso continuamos a ter soldados da paz a defender civis onde a paz infelizmente não existe, arriscando as suas vidas, muitos deles perdendo as suas vidas".
Em suma, prometeu, "lutar pela paz, lutar pela fim ou redução das desigualdades, reafirmação dos direitos humanos e igualdade de género, e travar esta luta louca que temos vindo a ter com a natureza".
Guerra contra as alterações climáticas
Noutra linha de críticas, António Guterres referiu, que além dos conflitos, há algo que não deixar de ser lembrado: "Estamos a perder a luta contra as alterações climáticas. A possibilidade de mantermos um crescimento da temperatura global limitado a 1,5 [graus celsius] está à beira de se perder e irreversivelmente. Continua a haver, sobretudo ao nível dos países grandes emissores, uma falta de consciência política indispensável para inverter esta situação", lamentou.
Nessa linha, recordou também a necessidade de uma justiça climática, porque "a verdade é que os países que mais sofrem os impactos dramáticos das alterações climáticas não são os que mais contribuem para essas alterações e não são os países que têm mais recursos para responder às necessidades de reconstrução, reabilitação e apoio às populações".
Por isso, aponta "um enorme egoísmo dos países do norte em recusar-se a aceitar todas as responsabilidades, inclusivamente aquelas que assumiram no Acordo Paris, de solidariedade com os países do sul", concluiu.