Angolanos "não podem contar" com Fundo Soberano
23 de junho de 2016Angola atravessa um momento "extremamente complicado", admitiu na quarta-feira (22.06) José Eduardo dos Santos. O Presidente angolano disse que o Governo não recebe receitas da Sonangol desde janeiro, pois a petrolífera estatal "não está em condições de o fazer".
Com a quebra do preço do crude no mercado internacional, o principal produto exportado por Angola, as receitas diminuíram. Em fevereiro, o barril de petróleo chegou a estar abaixo dos 30 dólares. Segundo José Eduardo dos Santos, "o crescimento da nossa economia diminuiu drasticamente, há quem diga que agora deve estar entre um a dois por cento, quando já estava em cinco a seis por cento." O chefe de Estado apelou à compreensão dos angolanos.
Nos últimos meses, o preço do barril do petróleo tem aumentado. Está agora a cerca de 50 dólares o barril. Mas só o aumento dos preços não chega para ultrapassar a crise, disse recentemente o economista angolano Carlos Rosado de Carvalho, em entrevista à DW África.
DW África: O barril de crude ronda agora os 50 dólares. Isso reflete-se em Angola?
Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Numa economia muito dependente do petróleo, é óbvio que cada dólar que o petróleo aumenta é bom. Alivia a pressão. Agora, o Governo fez um orçamento com base em 45 dólares o barril. Se o petróleo ficasse, em média, nos 55 dólares, e seria muito bom que isso acontecesse, o dinheiro [restante] devia ser posto em reservas, segundo o Orçamento Geral do Estado, mas o que provavelmente vai acontecer não é isso, é que o Governo gasta todo o dinheiro que vai apanhando.
DW África: Escreveu num artigo de opinião no jornal Expansão que, com esta crise, uma das coisas que mais lhe perguntam é sobre o dinheiro do Fundo Soberano. É possível usar o dinheiro do Fundo para ajudar a ultrapassar a situação atual?
CRC: Em princípio, não é, porque não é esse o objetivo do Fundo. Este é um fundo de capitalização para gerar mais riqueza, não é um fundo de estabilização, embora tudo seja possível em Angola, se o Presidente decidir. Mas os estatutos do Fundo não prevêem isso. Por outro lado, o dinheiro do Fundo não é nenhum: são 5.046 milhões de dólares. E agora já nem isso, porque o dinheiro que tem atualmente é à volta de 4.850 milhões. Neste tempo, perdeu 216 milhões de dólares. E esse dinheiro não chega sequer para cobrir o défice previsto para 2016.
DW África: Com que é que os angolanos podem contar em relação ao Fundo?
CRC: Não podem contar com nada. Eu gostava de contar era com mais transparência e de saber o que é feito do dinheiro do Fundo. O Fundo disse, em 31 de dezembro, onde o dinheiro estava aplicado, mas não dá um exemplo concreto de um investimento. E sobretudo não nos diz o mais importante, e eu para chegar a essa conclusão tive de andar a ler as contas do Fundo, quando é uma coisa que devia ser óbvia: Quando invisto num Fundo, quero saber quanto entreguei e depois, numa determinada data, quanto tiro - e se a rentabilidade foi positiva ou negativa. O que acontece aqui é que o património líquido do Fundo atualmente é menos 200 e tal milhões de dólares do que recebeu. Dir-me-ão: 'Bom, mas os fundos, quando se instalam têm despesas de instalação, disto e daquilo'. É verdade. Mas 216 milhões de dólares é muito dinheiro.
DW África: Disse numa entrevista recente que lamenta o rumo que o país está a tomar. Que rumo deseja então para o país?
CRC: Angola tem o diagnóstico feito há muito tempo. O país tem um problema de petrodependência, mas costumo dizer que isso não é a doença. A petrodependência é um sintoma da falta de competitividade da economia angolana. Esse é o verdadeiro problema de Angola - a incapacidade de produzir bens e serviços que não petróleo, que tenham um preço e uma qualidade competitivos internacionalmente.
DW África: Ou seja, a receita é conhecida. Falta é dar o passo nesse sentido.
CRC: Falta dar o passo. E um dos impedimentos tem sido esta mania de que somos ricos, que o petróleo fez entrar na nossa cabeça. Adoraria que o [preço do] petróleo subisse, pois isso é bom para nós, angolanos, e para a nossa economia, mas receio que possamos cair no mesmo erro que cometemos até aqui, que foi dormir à sombra da bananeira ou, neste caso, à sombra dos poços de petróleo.
A entrevista a Carlos Rosado de Carvalho foi feita à margem do Global Media Forum, organizado na semana passada pela DW, em Bona.