Angola: Referendo à divisão administrativa "não é aplicável"
2 de fevereiro de 2023A proposta de divisão admnistrativa do Governo angolano, que define que o país passará de 18 para 20 províncias e de 164 municípios para 581, foi alvo de uma auscultação pública entre agosto e setembro do ano passado e o Executivo garante que os angolanos estão de acordo com as alterações no panorama político-administrativo.
No entanto, há muitas críticas à iniciativa. Na semana passada, as organizações não-governamentais OMUNGA, Friends Of Angola e Jovens Pelas Autarquias decidiram escrever ao Presidente angolano, João Lourenço, apelando à realização de um referendo, já que o assunto, consideram, é "de interesse público".
"Nós não estamos de acordo com o processo de auscultação que o Executivo alega ter feito", começa por explicar João Malavindele, coordenador da OMUNGA, em entrevista à DW. "Nós somos aproximadamente trinta milhões de habitantes. Se conseguirmos ouvir, pelo menos, 75% da população a respeito então, já é bom", defende.
"Se o referendo resultar que a população toda concorda e alinha neste pensamento da divisão político-administrativa, que assim seja", sublinha o ativista.
Sem lei de autorização, artigo não se aplica
Mas será que a Constituição da República de Angola prevê a realização de um referendo? O jurista Serrote Simão responde: "A Constituição prevê para determinadas entidades e as entidades estão mencionadas nos termos do artigo 168º da Constituição que estabelece que a iniciativa de referendo cabe ao Presidente da República, aos grupos parlamentares e a um quinto de deputados em efectividades de funções".
Ainda assim, a figura do referendo não se aplica neste caso, explica o jurista: "Esta situação está regulada na Constituição, mas, entretanto, não é aplicável, porque não existe uma lei de autorização legislativa. Não se aplica o que está na Constituição no artigo 167 nº 5 [Os cidadãos organizados em grupos e organizações representativas podem apresentar à Assembleia Nacional propostas de projectos de iniciativa legislativa, nos termos a definir por lei.]".
As ONG, na voz de João Malavindele, insistem que o tema é de interesse público e, por isso, deveria envolver todos os cidadãos. "Como estamos num Estado de direito e democrático, é preciso que se esgotem todos os procedimentos de participação. Qualquer um destes processos e, sobretudo, quando estamos a falar de um tema que é de interesse público. A questão de divisão política e administrativa deve ser encarada como uma questão pública", conclui.