Angola: Polícia volta a reprimir protesto da BEL
18 de outubro de 2018Concentrados na manhã desta quinta-feira (18.10) nas imediações do Centro de Imprensa Aníbal de Melo (CIAM), no centro de Luanda, os mais de 200 manifestantes, em representação dos 1.841 trabalhadores da BEL, com palavras de ordem como "Queremos o Nosso Dinheiro", percorreram inicialmente parte da extensão da rua Rainha Jinga.
À entrada da avenida do 1.º Congresso, ainda no centro de Luanda, os manifestantes da BEL, entidade criada em 2002 pelo então Presidente angolano José Eduardo dos Santos, foram confrontados por efetivos da Polícia Nacional e, entre "ameaças e ânimos alterados", conseguiram transpor a barreira.
A segunda barreira policial, a escassos metros da rua de acesso ao Palácio Presidencial, já não conseguiram transpor. No local, efetivos da polícia de ordem pública foram reforçados pela polícia de intervenção rápida e, no meio de um grande cordão policial, ocuparam as duas faixas de rodagem da avenida, não permitindo os manifestantes materializar os seus propósitos.
Segundo protesto travado este ano
"Casa Militar, queremos o nosso dinheiro. Depositem o mesmo na conta do tribunal antes do dia 30 deste mês. Oito anos é muito. Estamos cansados de promessas. Pedimos encarecidamente a sua excelência, o Presidente da República, para pôr fim à situação", lia-se num cartaz gigante empunhado pelos manifestantes.
Trata-se da segunda vez que, este ano, os trabalhadores da BEL são impedidos pela polícia de se manifestarem, depois de terem tentado protestar, pelas mesmas razões, a 09 de julho último, em que exigiram o pagamento das indemnizações até 30 do mesmo mês, na sequência de uma decisão nesse sentido tomada pelo Tribunal Provincial de Luanda, em 2010.
Esta quinta-feira, mesmo com um "comunicado de manifestação", que deu entrada a 10 deste mês no Governo da Província de Luanda, os antigos trabalhadores da BEL manifestaram-se indignados com o aparato policial que interditou a via em mais de meia hora.
Os trabalhadores dizem que a Casa de Segurança deveria disponibilizar indemnizações de 8.296 milhões de kwanzas (23,7 milhões euros), mas um novo mapa apresentado pela entidade patronal prevê apenas o pagamento de 312 milhões de kwanzas (890 mil euros) para todo o pessoal.
O Largo do Monumento do Soldado de Desconhecido foi o local onde a polícia, já com o auxílio da polícia canina, concentrou os manifestantes, perante o "descontentamento" de Xavier Joaquim Neto, 63 anos, que disse à agência Lusa estar nesta condição há oito anos.
"A nossa marcha foi impedida por falta de consenso porquê? Como ‘o jindungo só dói no olho do outro e a nós não', esta é a razão por que já clamamos por esta indemnização há bastante tempo. Não percebemos esses impedimentos e estamos sem receber o nosso dinheiro até a presente data", disse à Lusa.
"No meio de muito mentira"
Manuel Bapolo Saprinho, da comissão organizadora da marcha, lamentou o "silêncio das autoridades", afirmando que os 1.841 trabalhadores nesta condição pretendem falar com o Presidente angolano, João Lourenço, porque o assunto está a ser tratado "no meio de muito mentira".
"O que queremos, neste momento, é falar ou com o chefe de Estado ou com o chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, porque o pagamento que estão a dar aos colegas é uma mentira", disse.
Segundo o manifestante, de acordo com as contas feitas pelo tribunal, cada ex-trabalhador da extinta BEL da Casa de Segurança do Presidente angolano deveria, "no mínimo, receber três milhões de kwanzas (8.570 euros). Não percebemos como nos dão apenas 100 mil kwanzas (285 euros)".
A indignação por a polícia angolana ter travado a marcha foi também exteriorizada por César Didissa de 55 anos, referindo que, apesar do impedimento, a mensagem foi passada às autoridades.
"A opinião nacional e internacional já sabe o que se está a passar. Neste país não há justiça. A justiça é só para a classe dominante e para os pobres ela não existe. Estamos a lutar pelo nosso direito, porque o tribunal deu-nos um parecer favorável", realçou.
Já Francisco de Castro, outro manifestante, recordou que o tribunal de Luanda julgou a favor dos trabalhadores para o pagamento de um montante de mais de 8.000 milhões de kwanzas: "Colocámos o processo em tribunal e foi julgado a nosso favor. Desde então, tivemos abordagens com as autoridades, mas usaram a falsidade para pagar o valor a seu bel-prazer", lamentou.
A BEL, integrada por antigos militares das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA) e da Unidade de Guarda Presidencial (UGP), foi extinta em 2010, tendo José Eduardo dos Santos tentado reativá-la em agosto de 2017, no mês em que se realizaram as eleições presidenciais que levaram João Lourenço ao poder, mas a ideia nunca chegou a avançar.