Angola: "O Presidente vai enveredar pela violência"
9 de setembro de 2022Pouco antes das eleições gerais de 24 de agosto, Marcolino Moco, que foi primeiro-ministro pelo partido no poder, o Movimento Popular da Libertação de Angola (MPLA), de 1992 a 1996, deu o seu apoio à oposição política, por ver "uma grande oportunidade" para criar um Estado inclusivo.
Após as eleições, o político veterano fez agora o ponto da situação à DW África. Não esconde que olha com ceticismo para o chumbo, na quinta-feira (09.09) do recurso interposto pela União Nacional da Independência Total de Angola (UNITA) junto do Tribunal Constitucional (TC). E traça um quadro negro do futuro do país
DW África: O TC chumbou o recurso de contencioso eleitoral interposto pela UNITA. Como avalia este acórdão?
Marcolino Moco (MC): A regra mantém-se. A CNE (Comissão Nacional Eleitoral) e o Tribunal Constitucional são do partido no poder e do Presidente da República. Por isso, não podem decidir contra ele.
DW África: Nas eleições de 24 de agosto apoiou a oposição e disse haver uma "grande oportunidade" para criar um Estado inclusivo. Como seria este Estado inclusivo?
MC: Desde que se aprovou uma Constituição que acaba com a eleição presidencial de um Presidente com tantos poderes, mas que não responde perante o eleitorado, perante a Assembleia Nacional, assalta o poder judicial, assalta o poder da comunicação social, eu nunca mais votei a favor do MPLA.
DW África: Acha que o MPLA aceitaria formar um governo inclusivo, envolvendo a oposição?
MC: Não temos um Estado inclusivo desde 75, quando o Estado proclamou uma independência unilateral, uma independência do MPLA na qual participei na altura, muito jovem, pensando que aquilo era o melhor sistema para criar um homem novo, como se dizia naquela altura. Mas por volta dos anos 80, eu e muitas outras pessoas chegámos à conclusão que assim não dá. Então, criou-se um Estado inclusivo, que permitia que houvesse mais partidos políticos a disputar. Mas esse sonho foi destruído novamente com a sobrevivência da guerra e, particularmente, com a sobrevivência da Constituição de 2010, que consagra novamente a exclusão, que dá todo o poder a um Presidente que, depois, não presta contas a ninguém.
DW África: Num livro da sua autoria fala de uma "terceira alternativa", nomeadamente uma transição necessária e vantajosa para todos. Foi claramente descartada esta opção?
MC: Sim, neste momento continua descartada porque outra proposta vingou. Não na base da contagem de votos, na base do que é um autêntico golpe de Estado, porque há tropas na rua, polícias e militares. Ainda o Tribunal Constitucional não se tinha debruçado sobre questões graves na contagem, etc., já o presidente João Lourenço marcava a sua tomada de posse. Portanto, há no plano material um golpe de Estado. Significa que vamos continuar a funcionar dentro dessa mesma constituição material e formal de exclusão. Pouco vai mudar do que aconteceu até aqui.
DW África: Por falar em golpe de Estado: Referiu num post numa plataforma social online que o Governo pediu perdão pelos mortos de 27 de maio, onde dezenas de milhares de angolanos foram torturados, mandados para campos de concentração e fuzilados sem julgamento. Agora, o Exército está em "prontidão combativa". Isto pode pôr em causa a legitimidade do Governo de MPLA?
MC: Esse Governo para mim, pelo menos, não é legítimo, mas isso vale o que vale.
DW África: Que cenários se desenham para os próximos tempos?
MC: As ruas estão pejadas de soldados bem armados. Fala-se de aviação no dia da tomada de posse. Temos essa situação que, como leu no meu texto, é uma situação de verdadeiro golpe de Estado. Agora vai começar, ou já começou, um mandato, que à partida já está contestado. Não vai ser fácil. Então, ele [João Lourenço] vai enveredar pela violência, pior para ele e para o povo também. E este ambiente de caos que nós vivemos, em que num país tão rico como este há pessoas que comem dos contentores de lixo, isso tudo vai deteriorar.