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Angola: "Jovens bebem porque não têm trabalho"

3 de outubro de 2020

É assim que alguns cidadãos reagem em Luanda à medida do Governo angolano contra o consumo excessivo de bebidas alcoólicas no país. A proposta de lei enviada esta semana ao Parlamento prevê multa de até quase 500 euros.

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Foto ilustrativaFoto: picture-alliance/dpa/M. Tödt

A Proposta de Lei sobre o Regime de Acesso e Consumo de Bebidas Alcoólicas deu entrada esta semana no Parlamento angolano, em Luanda. A iniciativa do Governo, que ainda vai ser discutida pelos parlamentares, pretende reduzir o consumo de álcool por parte da sociedade.  

Entretanto, as reações não se fizeram esperar. A DW África ouviu alguns cidadãos na capital angolana sobre esta iniciativa do Conselho de Ministros.   

Bernardo Abel afirma que as pessoas, principalmente jovens e mulheres, bebem excessivamente por causa das alegadas más políticas do Governo: "A maior parte dos jovens aqui bebe porque não tem trabalho. E não trabalha [por causa] da má governação do MPLA", disse. 

"Manobra de extorsão"

O futuro diploma legal prevê uma multa de 4.000 a 400 mil kwanzas (quase 6 a 500 euros) para os que descumprirem a medida. No entanto, o Governo ainda não avançou que quantidade poderá ser considerada consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

Angola Luanda Cuca (Cerveja Cuca) Bierfabrik
Cervejaria em Luanda (Foto ilustrativa)Foto: DW/C.V. Teixeira

Sobre esta previsão, Eduardo Luanda, outro residente na capital angolana, louva a iniciativa: "Com certeza a medida de qualquer forma é acertada". Mas, questiona-a exemplificando a suposta extorsão de que alguns cidadãos são alvo por parte de agentes da polícia nacional pelo não uso da máscara em tempos de Covid-19. 

"Isso será mais uma manobra para extorquir o pacato cidadão", receia Eduardo Luanda, referindo-se às possíveis multas pelo consumo excessivo de álcool em Angola.  

Há cidadãos que ficam embriagados consumindo apenas pequenos pacotes de whisky comercializados nas ruas da capital angolana, custando 100 kwanzas (menos de 1 euro) cada. "Quem consome 'the best', como vai pagar essa multa?", indaga um cidadão que não se quis identificar.

Justificativa do Governo

O Governo de Luanda justifica assim a medida: "O consumo de bebida alcoólica é um grande problema de saúde pública e, principalmente quando é consumido por pessoas com idade inferior a 18 anos, mulheres que estejam a amamentar ou m estado de gestação, motoristas, pilotos e outros profissionais de risco", disse a ministra da Saúde Sílvia Lutukuta, durante uma conferência de imprensa na quarta-feira (30.09), em Luanda.   

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Nos últimos tempos, os cidadãos angolanos, principalmente a juventude, bebe excessivamente. Muitos jovens, para além das bebidas habituais, como a cerveja, vinho ou whisky, também passaram, agora, a consumir o que chamam de "bebida do chefe".  

A tal bebida é tradicionalmente conhecida por "kaporroto" ou "kapuca" e é predominante no norte de Angola, nomeadamente nas províncias do Bengo, Kuanza-Norte e Malanje. Mas, nos últimos dias, a bebida com característica de água ardente destilada, normalmente caseira, tem chegado com frequência a Luanda e já se tornou a preferência da juventude. Um cálice e um duplo chegam a custar até 400 kwanzas (menos de 1 euro), dependendo do local da venda.  

Francisco João, um dos consumidores deste produto, contou à DW África que a bebida também desempenha a função de afrodisíaco. "O líquido, para além de meter bêbada a pessoa e fazer bem ao corpo, também ajuda nas relações sexuais", revelou. 

Causas e consequências

Entretanto, as causas do consumo excessivo de álcool em Angola são várias. A socióloga angolana Marlene Messele aponta algumas: "a crise económica, frustrações na vida social ou afetiva, exclusão por parte dos familiares, insucesso dos desejos ou falhas na realização dos sonhos, desemprego, problemas emocionais, facilidade na aquisição da bebida, influência dos amigos ou familiares, entre outros". 

Uma das principais causas de morte em Angola é a sinistralidade rodoviária, depois da malária. E o álcool é apontado pelas autoridades como um dos motivos deste fenómeno.  

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Mas a socióloga avança outras consequências do abuso de álcool. "Em Angola, há divórcios, acidentes de viação, perturbações de relações sociais e familiares, incapacidade de concentração e insucesso escolar que resultam do consumo desregrado de álcool", afirma.  

Mas há soluções, sugere Marlene: "Melhorar a forma de combate ao seu uso. Também é preciso uma educação para o seu uso prudente e legislar para controlar aspetos como a publicidade, o preço e os horários da venda. É importante a consciencialização dos indivíduos sobre riscos e abstenção".  

Medida acertada

Por isso, Marlene Messele não tem dúvidas de que esta medida do Governo angolano é acertada. "As multas são importantes, porque vão ajudar a desencorajar o uso abusivo de bebida alcoólica", conclui. 

Porém, o ativista cívico angolano Fabião Paulo Ancião receia que estas medidas não "resultem absolutamente em nada por causa da fraca participação do sistema fiscal na cobrança destas multas".

"Por exemplo, a cobrança da multa da máscara, a polícia tornou-a o seu ganha pão. Esse dinheiro não vai na conta do tesouro", exemplifica.  

Ainda assim, este ativista propõe soluções: "deve-se agravar a taxa de bebida alcoólica aos produtores e aos importadores. Também deve-se criar condições de fiscalização aos vendedores", finaliza.