Aluna moçambicana é vítima de abusos sexuais por professor

Uma história que parece ser comum em Moçambique, país em que 70% dos alunos afirmaram haver professores que condicionam a passagem de classe com relações sexuais (dados de um estudo do Ministério da Educação de 2008).

“Ele dizia que queria nanar comigo, para passar de classe. Todos os dias ele me enganava”, conta Benácia que assim cedia aos caprichos do seu professor da sétima classe. Na escola ou em casa dele, Benácia terá sido, inúmeras vezes, vítima de abusos sexuais. Essa era a moeda de troca que o professor exigia à jovem para passar de ano: “ele falava que, vou-te ajudar... e também não vais fazer exame para passar de classe”, relata Benácia.

O silêncio era regra neste jogo sujo, pois como afirma a jovem “ele falava para eu não contar a ninguém”. Benácia manteve-se assim em silêncio pois “queria passar de classe” e “não sabia que ia engravidar”. Mas, sem contar, a barriga começou a crescer. Benácia informou o professor de que estava à espera de bebé, e “ele disse para voltar aqui com a sua mãe, eu vou explicar; logo quando fui com a minha mãe, ele começou a negar”, explica.

Vítima é expulsa e professor permanece incólume

O pai de Benácia, Henriques Rodrigues, não se conforma com os abusos de que a filha foi vítima e com a negligência dos professores da escola de Quelimane, capital da província da Zambézia, no centro de Moçambique.

Henriques Rodrigues conta de forma idignada que quando levou o caso à direção da escola, os professores “desconsideraram o problema, [dizendo] que não era verdade, enquanto a minha filha continuava dizendo ser verdade, até hoje que a criança tem o bebé”. O caso começou a espalhar-se pela escola e tudo se complicou para Bemácia pois “quando ele [o professor] entrava na minha turma, ele me tirava para fora para eu não assistir à aula dele”.

Entretanto, a diretora “pedagógica da escola expulsou a minha filha, que não devia estudar porque denunciou o professor”, em vez disso “devia arranjar um amigo, um aluno da escola e acusá-lo, embora não sendo o aluno, mas só para defender o professor”, afirma Henriques Rodrigues.

Por ter acusado o professor, Benácia ficou durante duas semanas sem poder ir à escola. Depois de muita insistência, a aluna recomeçou as aulas, mas apenas à noite.

Mas mesmo as duas irmãs da menina de 16 anos, que estudavam no mesmo estabelecimento de ensino, começaram a queixar-se de serem mal faladas entre os professores e receavam reprovar. E foi apenas a pedido das filhas que Henriques Rodrigues não prosseguiu para a justiça que tanto quer que seja feita.

O pai de Benácia afirma ainda que a escola tentou esconder o caso, pois “seria uma grande vergonha se a direção provincial de educação soubesse, traria uma certa complicação” e por isso, continua ”tentaram até sabotar os documentos”. Isto porque numa reunião entre a vítima dos abusos sexuais, o pai e professores foi escrita uma ata. Após os professores terem concluído o documento, “trouxeram-no à minha casa para assinar (...) mas eu peguei no papel e disse, não vou assinar, primeiro vou ler. Fui ver e tudo estava ao contrário”, “falsificaram tudo”, esclarece revoltado Henriques Rodrigues.

A família apresentou ainda queixa na polícia, mas sem qualquer resultado. Durante todo este processo, Henriques Rodrigues afirma que não contou com o auxílio de ninguém, a não ser com o apoio da UNICEF, que terá informado a direcção geral de educação sobre o caso.

Mas até hoje, tanto o professor, o alegado autor dos abusos sexuais, como a coordenadora pedagógica, que ordenou a suspensão de Benácia, continuam na mesma escola.

Apesar de ter sido abusada e de ser uma mãe adolescente, Benácia não abdica da escola, pois quer “estudar para amanhã ajudar meu pai, mais minha mãe e a minha filha”, explica. Está agora no oitavo ano numa outra escola. Porque quer um dia ser enfermeira.

Ainda sem registo, sua filha de sete meses continua sem pai, oficialmente, pois o “professor não quer saber de nada” , acrescenta Benácia. Perante esta situação, Henrique Rodrigues tem já uma ideia para o nome da neta: “Nádia (é ela) Benácia (é a mãe) Henriques (sou eu)”.

Caso não isolado

Esta é uma história frequente em Moçambique, pois números do Ministério da educação de 2008 dizem que 70% dos alunos afirmaram haver professores que condicionam a passagem de classe com relações sexuais (dados de um estudo do Ministério da Educação de 2008).

A Lei da Criança de 2008, em Moçambique, reafirma o dever das escolas comunicarem às autoridades competentes os casos de maus tratos e abusos a alunos. No entanto, a UNICEF considera que o acompanhamento dos atos de violência nas escolas e a implementação do decreto permanecem fracos.

Só no ano passado, quatro mil casos de abusos sexuais contra crianças foram denunciadas às autoridades policiais de Moçambique. Mas de acordo com a UNICEF essa é apenas a ponta de um iceberg, mergulhado ainda no silêncio da denúncia.

Autora: Glória Sousa

Edição: António Rocha