Alegado recrutamento militar compulsivo gera caos na Beira
27 de novembro de 2013O clima esteve tenso na maior parte dos bairros da cidade da Beira, a segunda maior do país, o que dificultou a acção da polícia, que não tinha meios para fazer frente às revoltas nos 20 bairros em simultâneo.
Muitas pessoas saíram às ruas, numa ambiente de acalorada confusão, com paus, pedras e catanas e houve ainda pneus queimados. Há registo de três mortos, entre eles uma criança. Também no distrito do Dondo, igualmente na província central de Sofala, os ânimos estiveram exaltados, mas em menor escala.
Os jovens protestaram com revolta, na Beira, contra o suposto recrutamento militar compulsivo, efetuado pelas Forças Armadas de Moçambique, um processo já conhecido como "operação tira camisa". A Polícia de Intervenção Rápida tentou controlar os ânimos, recorrendo a gás lacrimogéneo. Muitas pessoas permaneceram em casa em pânico, temendo sair à rua.
O incidente desta quarta-feira (27.11) acontece sete dias depois das eleições autárquicas que revalidaram a vitória do MDM (Movimento Democrático de Moçambique), a segunda maior força da oposição, na cidade da Beira. E acontece "na sequência destes resultados", aponta o analista político Henriques Viola.
"Moçambique acabou de viver um processo eleitoral, que em termos de exposição pública foi dos mais sujos e do ponto de vista de mecanismos de violência eleitoral houve indícios de fraude. Na sequência disto e da vitória do MDM, com margens bastante expressivas como maioria qualificada a nível de assembleias municipais, penso que isto [os incidentes] vem exatamente na sequência destes resultados", detalha o analista.
Ninguém está a recrutar ninguém, dizem responsáveis
A lei moçambicana determina que os jovens com idades compreendidas entre 18 e 35 anos devem registar-se voluntariamente no centros de recenseamento militar. O processo decorre em três fases, em abril, junho e novembro. E assim recentemente terminou o recrutamento com vista à terceira fase, conforme o estipulado na Lei 32/29.
No dia 25 de novembro, os recrutados foram encaminhados para a formação, o que torna o alegado recrutamento compulsivo desta quarta-feira (27.11) uma anomalia.
No entanto, os responsáveis negam que se estejam a efetuar recrutamentos: "ninguém está a recrutar ninguém", garante Carlos Michon, delegado do Centro de Recrutamento na província central de Sofala.
Ainda assim, Carlos Michon reconhece que "há um pânico generalizado e desde a manhã a cidade está em alvoroço". "Dizem que houve gente que se intitulou como sendo das Forças Armadas e que está a carregar jovens para a tropa, mas não é verdade", argumenta o delegado do Centro de Recrutamento na província central de Sofala.
"Essa situação que está aqui a acontecer é uma situação que nem eu sei como explicar. Deve ser um grupo que quer aproveitar a agitação para tirar dividendos", afirma Carlos Michon.
Recrutamento forçado é permitido mas não há força
Mas caso os jovens não cumpram com o serviço militar obrigatório, podem ser recrutados à força? "Nessa situação há espaço para, de forma coerciva, o Estado convocar essas pessoas para cumprirem com aquilo que a lei estipula", esclarece o jurista Ericino de Salema.
No entanto, "tal não é feito com recurso às próprias forças militares ou para-militares, mas por via dos tribunais", diz o jurista, acrescentando que o processo "é feito sem o uso de força em termos físicos. O cidadão numa situação dessas goza da presunção de inocência, ainda pode exercer o contraditório, explicando porque é que se acha na situação de refratário. Não tendo comparecido quando foi convocado para cumprir militar obrigatório", completa Ericino de Salema.
Ao mesmo tempo que ocorre alegadamente o recrutamento compulsivo na cidade da Beira, correm rumores de que os militares afetos nas regiões de confronto com a RENAMO, a maior força da oposição, como na Gorongosa e em Marínguè, estejam a desertar com medo e a procurar refúgio nesta cidade, para depois sairem para outros destinos. Tentativas de confirmar este fato com o Ministério da Defesa resultaram em fracasso.