"Acaba de me matar": Angolanos contra o Governo na internet
26 de fevereiro de 2018Em Angola, todos os anos, o mau tempo mata e provoca estragos em Luanda e em várias cidades do país. Este ano, os efeitos da chuva já deixaram pelo menos 10 mortos na capital, incluindo crianças. Devido a este problema, os cidadãos iniciaram na rede social Facebook uma onda de protestos denominada "Acaba de me matar". O movimento, que se tornou viral, visa repudiar a falta de políticas para minimizar os problemas da população.
O sistema de drenagem é sempre apontado pelos cidadãos e pelo Governo como o principal problema das inundações de casas, ruas e instituições públicas e privadas.
Os transtornos gerados pela falta de infraestrutura levaram, no último fim de semana, o governador de Luanda, Adriano Mendes de Carvalho, a afirmar que "talvez alguma coisa tenha sido mal concebida naquilo que é o saneamento básico". "Se calhar é uma questão dos engenheiros voltarem a rever e analisar [a infraestrutura de saneamento], porque é uma questão de engenharia profunda", acrescentou.
Autoridades governamentais falam ainda em construção de residências em zonas de risco por parte de alguns habitantes. Outro problema é que muitos cidadãos depositam o lixo nas valas de drenagem por escassez de contentores e a falta de sensibilização, reconhece o Governo.
O jornalista Fernando Guelengue diz estes problemas são "uma situação já recorrente". "As valas de drenagem são vias naturais para a facilitação da passagem de água. Quando ocorrem chuvas com alguma intensidade elas procuram as vias para desaguarem. É que, na época seca, não encontramos obras e campanhas de sensibilização voltadas as valas de drenagem", conta.
Chuvas estão a causar danos materiais e humanos
Em Belo Monte, município angolano de Cacuaco, em Luanda, uma das zonas críticas, duas crianças de três anos foram arrastadas por uma enchente no dia 19 de fevereiro. Mas também há relatos de mortes, em outras regiões do país, segundo o serviço de proteção civil de Angola. Outra criança de quatro anos também morreu na sequência do desabamento da casa dos seus familiares, na Maianga, na capital angolana.
Fernando Guelengue, autor do livro "Pobreza: Epicentro da Exploração de Crianças em Angola – Entre a Escravização e a Polémica", critica também órgãos como o Instituto Nacional da Criança (INAC), que deveriam zelar pela proteção destes pequenos cidadãos.
Segundo o jornalista, "as instituições ao nível da proteção da criança devem assumir publicamente o funcionamento crítico em relação a este tipo de assunto". "A criança é prioridade absoluta e não podemos ver crianças a morrerem de uma chuva. Isso significa que o país, em termos gerais, não está preparada para estas enxurradas", avalia.
"Acabam de nos matar"
A morte da criança de quatro anos provocou uma onda de protestos nas redes sociais, com os cidadãos a partilhar imagens fingindo-se de mortos e mensagens como "Acabam de nos matar" – uma forma de repudiar a não resolução dos problemas da população por parte do Governo.
Estas publicações rapidamente tornaram-se virais na internet. Até os famosos foram contagiados pela febre. Agora, postam-se fotografias com botijas de gás, livros, jornais, computadores entre outros objetos para protestar contras as supostas más políticas públicas. O movimento está a ser considerado uma nova forma de manifestação sem repressão.
Fernando Guelengue diz que estes protestos revelam o desespero da juventude e a necessidade de o Governo resolver os principais problemas da sociedade. "Um dos slogans é, por exemplo, 'Acabam de me matar porque vocês aprovaram um OGE, Orçamento Geral do Estado, que vai continuar a manter o jovem na desgraça'. Outro diz 'Acaba de me matar porque ambulância só se preocupa com o desvio do erário público'. Quando os jovens fazem estes relatos despindo a realidade do país como corrupção, estão a demonstrar que estão agastados e prefereriam morrer", afirma Guelengue.
Presidente está a inteirar-se dos problemas
Para constatar os danos causados pelas chuvas que caíram sobre Luanda na semana passada, alguns membros do Governo visitaram no último sábado (24.02.) algumas zonas afetadas.
Fátima Veigas, secretária do Presidente da República para Assuntos Sociais, diz ter recolhido dados que serão entregues ao Presidente João Lourenço. "Vamos em conjunto ver os problemas que o nosso povo está atravessar. Tal como disse o nosso Presidente, nós estamos em ao serviço do povo, estamos aqui para vermos os problemas e os constrangimentos para encontrar as melhores soluções".