A cruel caça aos albinos em África
17 de junho de 2017Os albinos chamam imediatamente a atenção em África: pele branca e olhos de aparência avermelhada. O albinismo é um distúrbio hereditário. O corpo produz pouca ou nenhuma melanina, substância que confere cor à pele: têm pele e cabelo brancos e problemas de visão. Em África, a sua vida não é nada fácil por causa dos preconceitos que sofrem.
A Tanzânia é um dos países onde os albinos temem pelas suas vidas. "Quando caminhamos pelas ruas, as pessoas chamam-nos ‘dinheiro'. Dizem que o meu corpo vale milhares de dólares”, explica Jane Baithera, que nasceu com albinismo. A pele clara e os cabelos brancos – típicos do distúrbio de pele hereditário – fazem Jane sentir-se uma estranha no seu próprio país. É também um alvo dos traficantes de órgãos: "As nossas vidas estão em risco porque, na Tanzânia, acredita-se que usando partes do corpo de pessoas com albinismo, em poções feitas por curandeiros, as pessoas podem ficar ricas. Chega a ser irónico que, em pleno século 21, a sociedade ainda acredite que temos poderes mágicos”.
Grupos criminosos organizados fazem uma verdadeira caça aos albinos para suprir o mercado do tráfico de pessoas na Tanzânia, diz a oftalmologista Prabha Choksey, criadora da Fundação de Albinismo com o seu nome.
"A mão de um albino pode ser comprada por cinco mil dólares”, explica. "Eles dizem que, com isso, um político ganha uma eleição ou que a esposa ficará grávida. Se alguém tem cancro e recebe o órgão de um albino, ele supostamente irá curar-se. Já foram encontradas crianças de seis anos de idade sem a laringe, porque um paciente com cancro queria a laringe de um albino”.
Crianças rejeitadas
Estima-se que o corpo de um albino renda aos seus assassinos cerca de 350 mil dólares. Dinheiro que a maioria das pessoas na África Oriental não chega a ganhar em toda a sua vida. Somente na Tanzânia, pelo menos 60 pessoas já foram vítimas destes bandos criminosos - o número real pode ser muito maior. Quando nasce um bebé com albinismo, muitas vezes os próprios pais ficam chocados.
Segundo Prabha Choksey, "em África, é considerado uma maldição ter nascido branco. As pessoas rejeitam essa criança e a sua família. Muitas vezes a mãe e a criança albina são expulsas de casa”.
Dennis Kaisa passou por essa rejeição, antes de ser enviado, quando ainda era muito jovem, para um internato. "A minha mãe casou-se muitas vezes e divorciou-se diversas vezes por minha causa. Eles diziam, ‘trazes uma maldição para a nossa casa'. Então, eu era espancado por qualquer homem que naquele momento era o meu pai, porque eu tive muitos pais”, conta.
No entanto, mesmo quando a família aceita uma criança com albinismo, com frequência vizinhos, amigos e colegas de escola não o fazem, diz Leonidah Anyoso. "Algumas crianças beliscavam-me e perguntavam: Sentes alguma dor? Um menino chegou mesmo a espetar-me com uma agulha, porque queria ver a cor do meu sangue. Ele ficou chocado quando viu que era vermelho. Ele pensava que era verde, porque via as minhas veias azuis sob a pele branca.”
Lutar no Parlamento
Muitas pessoas não querem comer ao lado de um albino, nem apertar-lhe a mão, porque pensam que o albinismo é contagioso. Os preconceitos são profundos, reclama o deputado queniano Isaac Mwaura: "Meu povo de descendência africana não se vê como racista, mas é. Vejo pessoas com albinismo serem discriminadas por causa de sua cor, tal como os afro-americanos nos Estados Unidos”.
Mwaura, de 32 anos, é o primeiro membro do Parlamento do Quénia com albinismo. Apresentou um projeto de lei para proteger mais os albinos, mas o preconceito e a superstição são difíceis de combater. Ainda assim, Mwaura tem esperança: "Espero e acredito que, um dia, conseguiremos que as pessoas com albinismo sejam vistas em base de igualdade como os outros”.
Ignorância e discriminação na África do Sul
"Venho de um bairro pobre, onde as pessoas não têm muito acesso à informação e aqui estou, uma criança negra de aparência branca”. Puleng Molebatsi foi para uma escola para crianças cegas e surdas, mas não entendia muito bem porquê, uma vez que podia ver e ouvir. "Acho que os meus pais não sabiam bem o que é o albinismo. Por isso, o primeiro impulso da minha mãe foi levar-me para uma escola especial”, explica.
No entanto, a mulher albina não tem raiva dos seus pais. Afinal, na escola especial aprendeu uma coisa: é normal ser diferente. "Quando vou a um centro comercial, por exemplo, as pessoas vêem que sou muito clara e ficam confusas tentando entender”. Puleng teve sorte. Embora as pessoas muitas vezes olhem para ela por causa da sua pele muito clara e seus olhos avermelhados, ninguém nunca a magoou ou ofendeu. Mas isso acontece regularmente com os albinos, afirma Mpumi Mazibuko da Albinism Society of South Africa, organização que apoia os albinos na África do Sul.
"As palavras que usamos são muito degradantes e discriminatórias. Por exemplo, em Zulu, as palavras usadas para se referir aos albinos significam macaco. Há também uma outra palavra que liga os albinos a um mau presságio. Acredita-se que há algo mau ou demoníaco associado à condição de albino”, explica Mazibuko.
Mudar mentalidades
Muitas vezes, os abusos não se ficam apenas pelos insultos. O albino Sipho Kumalo, de Pretória, teve uma experiência pior: "Um homem da minha township bateu-me duas vezes. Sempre que me vê, diz que não quer ver albinos. Quer matá-los.”
Na África do Sul assassinatos de albinos são raramente comprovados. Mas muitos deles desaparecem com frequência sem deixar vestígios, especialmente no campo.
luta contra o preconceito há 20 anos. Procura sobretudo esclarecer que o albinismo não é um feitiço, mas simplesmente um distúrbio que afecta um entre cada quatro mil africanos. Aos poucos, acredita Mpumi, os sul-africanos estão a tornar-se mais tolerantes: "Penso que está a melhorar. Muitos jovens albinos estão mais abertos e apresentam-se de forma totalmente diferente da geração mais velha. Dizem ‘estamos aqui, somos capazes, somos bonitos' - advogando pelo albinismo”.
Puleng Molebatsi é o exemplo perfeito dessa geração jovem de albinos. Aos 27 anos de idade, trabalha como atriz, modelo e apresentadora de televisão. Esconder-se não é uma opção para ela. "Por que razão iria esconder-me do mundo, quando também sou humana? Iria até mesmo à Tanzânia. As pessoas que lutaram não se esconderam. Tiveram que sair e lutar para serem reconhecidas e prevenir que isso continue”.