A causa de Moreira Chonguiça pelos jovens de Cabo Delgado
29 de abril de 2024O saxofonista moçambicano Moreira Chonguiça revela uma outra faceta relevante para o país: a sua responsabilidade pessoal para com os jovens de Cabo Delgado, província desestabilizada pelo terrorismo há mais de seis anos.
O conceituado músico já fala em resultados tangíveis, que acredita estarem a alimentar mais esperança. Em entrevista à DW África, Moreira Chonguiça conta algumas dessas conquistas e também explica como tem sido a aposta num intercâmbio cultural local que começou muito antes da insurgência.
DW África: Há anos que desenvolve projetos musicais de investigação em Moçambique, principalmente em lugares recônditos. Quais são os resultados?
Moreira Chonguiça (MC): Os resultados são muito simples. Agora estamos a trabalhar extensivamente na província de Cabo Delgado, através da Fundação Moreira Chonguiça e com a Embaixada dos Estados Unidos da América. Estamos a conhecer e a colaborar com jovens músicos - não só músicos, mas também com poetas, etc. - para passar um bocado da minha humilde experiência, no ramo não só na música, mas também da indústria criativa, para que eles possam reunir algumas ferramentas para os proteger e criar sustentabilidade para o futuro.
A província de Cabo Delgado está a ser assolada pelo terrorismo, desastres naturais... Então, aqueles jovens não têm as mesmas oportunidades que os outros jovens do país. Não estou a dizer de alguma maneira que os outros têm mais oportunidades. Estamos a olhar para um caso muito particular. E enquanto fazemos isso, também fazemos a nossa investigação. O meu mais recente álbum, "Sounds of Peace", que ganhou dois prémios no ano passado, é resultado também dessa investigação, da colaboração.
DW África: Como tem contribuído com a sua música para travar a ascensão do terrorismo?
MC: Na Fundação Moreira Chonguiça trabalhamos com jovens porque essa questão do terrorismo afeta mais os jovens. As pessoas que são recrutadas são jovens, recrutadas para fazer aquelas coisas que a gente não gosta de ver. Então, nós, humildemente, através da nossa arte, e através da minha experiência de vida, transferimos os valores, contribuímos - nunca impondo, mas respeitando os valores locais onde eles estão. E lembramos que eles são pessoas relevantes e são os verdadeiros campeões que podem influenciar outros jovens. Mas isso não é coisa de falar, é coisa de mostrar, é coisa de fazer, porque falar qualquer um pode falar.
DW África: E em termos práticos?
MC: Vou dar-lhe um exemplo. Criámos três associações em Cabo Delgado: a Associação dos Músicos de Mecúfi, agora também há uma nova associação de músicos em Pemba e temos a associação dos dançarinos chamada Lipili, num universo de 60 jovens no qual que estamos a criar estratégias de efeito multiplicador para influenciar outros. São coisas práticas. Eu faço publicidade dos meus produtos, disso não faço publicidade. É um trabalho da minha responsabilidade pessoal, não social, onde eu trago parceiros - neste caso, estou a trabalhar com a Embaixada dos Estados Unidos. Destes 60 jovens, escolhemos dez que vieram a Maputo há três meses, vieram colher mais experiências, conhecer outros artistas e instituições, recolher ferramentas para que possamos influenciar ainda mais.
DW África: E sente que os seus projetos estão a impulsionar mais esperança de um futuro melhor para Cabo Delgado?
MC: Claro, definitivamente. Nós não podemos esperar só iniciativas do Ocidente. Nós temos de ter as nossas próprias iniciativas e convidar o Ocidente para se juntar às nossas iniciativas. Porque em África está na moda: é a organização X que vem da Europa, a organização X vem da América ou do Japão, como se nós não tivéssemos iniciativas e não tivéssemos cabeça para pensar, como se nós não tivéssemos gosto de proteger as nossas próprias comunidades. Então, sinto-me orgulhoso, estamos a fazer e temos parceiros internacionais super fortes que estão a apoiar, porque eles também estão a ver resultados tangíveis.
Estamos a usar a música como terapia ocupacional, emocional e também para criar e trazer ferramentas para que esses jovens não desistam dos seus sonhos, para que esses jovens não sejam aliciados pelas forças do mal. Mas isso é um exercício psicológico, é preciso sujar as mãos, é preciso estar lá. No meio disto tudo, temos a questão do terrorismo, a questão da cólera, a questão da conjuntivite e um conjunto de de situações de desafios que já não são só desafios de Cabo Delgado, são desafios do país.