É preciso criar um tribunal especial para o Sudão do Sul?
15 de maio de 2014Ao sugerir a ideia de se criar um "tribunal especial", o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, citou um relatório publicado na semana passada pela missão da ONU no Sudão do Sul.
O documento detalha violações dos direitos humanos e atrocidades cometidas desde 15 de dezembro do ano passado – dia em que começaram os confrontos no país, depois do Presidente Salva Kiir, do grupo étnico Dinka, acusar o ex-vice-Presidente Riek Machar, um Nuer, de tentar fazer um golpe de Estado.
As Nações Unidas dizem que tanto rebeldes, como tropas governamentais têm cometido crimes contra a humanidade. A chefe da missão da ONU no Sudão do Sul, Hilde Johnson, diz que se têm registado crimes "absolutamente horríveis", com motivações étnicas.
"Por um lado, há assassinatos de pessoas Nuer, claramente com motivação étnica. Por outro lado, há assassinatos de outras etnias, incluindo de Dinka, pela população Nuer. Mais uma vez, claramente por motivos étnicos," denuncia.
Os múltiplos relatos
Há relatos de abusos logo nos primeiros dias dos confrontos no Sudão do Sul. O relatório da missão da ONU diz que, na capital Juba, soldados governamentais atacaram bairros habitados por civis de origem Nuer.
Andaram de casa em casa e mataram homens Nuer ou levaram-nos com eles. Há também relatos de que, em fevereiro, forças da oposição atacaram um hospital na cidade de Malakal, no norte. Membros das comunidades Dinka e Shilluk foram atacados. Várias pessoas morreram, o hospital foi saqueado.
Os exemplos multiplicam-se ao longo do relatório. A missão da ONU fala em atrocidades em "escala maciça."
Foram estas denúncias que motivaram o secretário-geral das Nações Unidas a sugerir a criação de um "tribunal especial" para responsabilizar autores de abusos dos direitos humanos no Sudão do Sul.
Vantagens e desvantagens
Eric Reeves, especialista independente em assuntos sobre o Sudão do Sul, acha, porém, que esta é uma tarefa que deve ser entregue ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.
O especialista explica que a relutância em remeter casos para o TPI se deve ao fato de que "o Tribunal Penal Internacional tem sido acusado de focar apenas países africanos." Mas na avaliação de Eric Reeves, "é lá que eles pertencem ao abrigo do direito internacional."
Por outro lado, Reeves defende que a criação de um tribunal especial "tem a vantagem de se ter em conta as particularidades do país em que as atrocidades foram cometidas."
O especialista independente podenra ainda que "se há alguém que comete atrocidades em massa sem responder perante o direito internacional, então é o direito internacional que fica prejudicado."
Eric Reeves diz que em causa está a credibilidade do Tribunal Penal Internacional. "Se tribunais regionais ou tribunais específicos dos países também começarem a substituir o TPI, dificilmente o TPI durará muito tempo," prevê.
Situação semelhante também no Sudão
O analista lembra ainda que há outros casos na zona do grande Sudão que devem ser julgados, não apenas os casos do Sudão do Sul. Reeves diz que é preciso que o secretário-geral da ONU também alerte a opinião pública para isso.
"Refiro-me a Abyei, que foi tomada militarmente em Maio de 2011, e houve poucas consequências. Refiro-me a crimes em larga escala cometidos nos estados do Nilo Azul e do Cordofão do Sul, no Sudão," enumera.
"Sobre isso, não ouvimos nada nem de Ban Ki-moon, nem de Navi Pillay, a alta-comissária da ONU para os Direitos do Homem. Por isso, parece haver dois pesos e duas medidas," podenra o especialista.